“ANÁLISE E ORIENTAÇÕES SOBRE RELATÓRIOS DE ACOMPANHAMENTO DAS APRENDIZAGENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL PAULISTANA” – UM OLHAR DO DOCUMENTO À LUZ DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O QUE OS DADOS NOS REVELAM?

Gleice Kelly de Souza Guerra[1]

Resumo

Este artigo busca lançar um olhar, à luz da Teoria das Representações Sociais, sobre os resultados dos relatórios semestrais de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana produzidos por professoras de Escolas Municipais de Educação Infantil e de Centros Municipais de Educação Infantil, fruto de uma pesquisa realizada em resposta à demanda da Secretaria Municipal de Educação. Tomou-se como referencial teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici (1978) e Jodelet (2001). Os resultados apontam a necessidade de um estudo mais aprofundado dos discursos e das práticas das professoras e sugerem que as políticas educacionais e as práticas formadoras não percam de vista tais representações sociais frente ao seu processo de apropriação.

Palavras-chave: Relatórios de avaliação. Professoras. Representações sociais.

Introdução

Sobre a Teoria das Representações Sociais

Um primeiro delineamento formal do conceito de “representação social” e da Teoria das Representações Sociais surgiu com a obra seminal do psicólogo social Serge Moscovici, La Psycanalise: Sonimage et Sonpublic, publicada pela primeira vez na França, em 1961. Nessa obra, Moscovici apresenta um estudo realizado em Paris no final da década de 1950, no qual tentou compreender o que acontece quando uma teoria científica como a Psicanálise passa do domínio dos grupos especializados para o domínio comum. Em outros termos, ele buscou averiguar em que se converte uma disciplina científica e técnica quando os estratos sociais a representam e a modelam e por quais vias se constitui a imagem que dela se faz. Assim, Moscovici estabeleceu, na verdade, uma nova postura epistemológica, ao afirmar que a absorção da ciência pelo senso comum não é, como geralmente se defendia, uma mera reprodução do campo científico, mas sim que este é reelaborado e obedece a contextos específicos, imbuindo-se do conteúdo e do estilo de pensamento que o representam. Para explicar esse fenômeno, Moscovici cunhou o termo “representações sociais” e operacionalizou, ao mesmo tempo, um modelo teórico aplicável a outros fenômenos.

Moscovici introduziu, portanto, um campo de estudos renovador no âmbito da Psicologia Social. Seu objetivo, entretanto, ultrapassava a criação de um campo de estudos; ele buscava, sobretudo, conforme revela Sá (1995), redefinir os conceitos da Psicologia Social, devido à perspectiva individualista que se instalara nessa disciplina, no início do século passado.

A vertente renovadora da qual Moscovici participou, de origem europeia, condena a tradição norte-americana dominante, fortemente influenciada por uma visão comportamental e cognitivista, porque não se mostra capaz de considerar tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais em sua concretude e sua singularidade histórica. Buscando uma Psicologia Social mais socialmente orientada, Moscovici (1978) foi buscar uma contrapartida conceitual no conceito de “representações coletivas” de Émile Durkheim, para quem as tentativas de explicar psicologicamente os fatos sociais constituíam-se um erro grotesco. Embora impulsionado pelas ideias durkheimianas, Moscovici afastou-se delas. Contrariamente a essa vertente, para a qual o sentido das ações sociais não pode ser investigado a partir das intenções ou das motivações dos agentes que a realizam, a Teoria das Representações Sociais procura dialetizar as relações entre indivíduo e sociedade, “centrando seu olhar sobre a relação entre os dois. Ao fazer isso ela recupera um sujeito que através de sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si próprio” (GUARESCHI; JOVCHELOVITH, 1995, p. 19).

Nessa linha de pensamento, Spink (1995) afirma que as particularidades desse campo decorrem da desconstrução, no nível teórico, da falsa dicotomia entre o individual e o coletivo e de que não basta enfocar o fenômeno no nível intraindividual – como o sujeito processa a informação –, ou no nível social – as ideologias, os mitos e as crenças que circulam em uma dada sociedade. Segundo a autora, é necessário entender sempre como o pensamento individual enraíza-se no social – remetendo-se às condições de sua produção – e como um e outro modificam-se mutuamente.

A Teoria das Representações Sociais é, pois, um referencial teórico que trabalha sobre o campo das produções simbólicas do cotidiano onde se expressam os saberes e as práticas dos sujeitos (JOVCHELOVITCH, 2005), ou seja, constitui-se uma modalidade particular do conhecimento – o saber do senso comum – que se constrói mediante o processo interacional, a partir do qual o sujeito, gradativamente, vai elaborando o conhecimento, socializando-se e reconstruindo valores e ideias que circulam na sociedade contemporânea. Moscovici (1978) evidencia que uma representação, além de ser forjada nos grupos sociais, é caracterizada como social por revestir-se de uma função específica, qual seja: contribuir para os processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais.

Ao inaugurar um campo de estudos, Moscovici (1978) acentua que essas produções não podem ser compreendidas em termos de vulgarização ou de distorção da ciência, pois se trata de um tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades. Conforme Sá (1995), Moscovici afirma que coexistem, nas sociedades contemporâneas, dois universos de pensamento: os consensuais e os reificados. Nos últimos, circulam os conhecimentos produzidos pelas ciências no geral, e, nesse sentido, a sociedade é encarada como um sistema de diferentes papéis e classes, cujos membros só são autorizados a participar em função de sua competência adquirida. Já nos universos consensuais, são produzidas as representações sociais, pois derivam de uma elaboração dos universos reificados e tendem a capacitar os sujeitos a apresentar seu estoque de “teorias” para a compreensão e/ou a resolução dos problemas encontrados. Moscovici (1978) afirma que a passagem do nível da ciência para o das representações sociais implica uma descontinuidade, e não uma variação do mais ao menos.

Orientada pela hipótese da existência de diferentes universos de significados atrelados a distintos grupos, classes ou culturas, a Psicologia Social em que Moscovici se insere leva a outras exigências originais que vêm se atenuando no emprego da Teoria das Representações Sociais, tais como seus processos formadores: a objetivação e a ancoragem. Segundo Moscovici (1978), a ancoragem consiste em um processo no qual alguns elementos desconhecidos são introduzidos em nosso sistema particular de categorias, na tentativa de tornar familiar o insólito e insólito o familiar e, com isso, “atenuar essas estranhezas e introduzi-las no espaço comum, provocando o encontro de visões, de expressões separadas e díspares que, num certo sentido, se procuram” (Ibid., p. 61). A objetivação, por sua vez, consiste em transformar conceitos e concepções em coisas concretas e materiais que constituem a realidade, isto é, “reabsorver um excesso de significações materializando-as [...]. E também transplantar para o nível da observação o que era apenas inferência ou símbolo” (Ibid., p. 111).

Cumpre evidenciar que o campo de pesquisa cristalizado em torno da noção de representação social possui hoje três correntes teóricas complementares, a saber: uma mais fiel à teoria original e associada a uma perspectiva antropológica, liderada por Denise Jodelet, em Paris, também conhecida como “Escola de Paris”, a qual se ocupa das representações para compreender seus processos e sua dinâmica, na medida em que essa descrição é feita de modo intensivo, com auxílio de metodologias qualitativas e, ao mesmo tempo, extensivo, buscando as representações presentes não somente no discurso, mas também em outras formas de manifestação, como as práticas; uma segunda corrente, que articula a teoria original com uma perspectiva mais sociológica, proposta por Willem Doise, em Genebra; e uma terceira, que enfatiza a dimensão sociocognitivo-estrutural das representações sociais, denominada de Teoria do Núcleo Central, que tem em Jean-Claude Abric seu principal representante, em Aix-en-Provence, na França (SÁ, 1998). Embora reconhecendo que existem desacordos mútuos entre as abordagens complementares à “grande teoria”, Sá (1998, p. 65) esclarece que “não se trata, por certo, de abordagens incompatíveis entre si na medida em que provêm todas de uma mesma matriz básica e de modo algum a desautorizam”.

Em síntese, a Teoria das Representações Sociais é, pois, um referencial teórico que reabilita o saber do senso comum como forma válida de conhecimento e procura dar conta dos mecanismos sociais e psicológicos que atuam na produção das representações. Atualmente, a Teoria das Representações Sociais vem sendo bastante útil no processo de compreensão dos mais diversos objetos. Segundo Sá (1998), a utilização da teoria, particularmente no Brasil, já se estende a diversas áreas do conhecimento, configurando-se como um tipo de saber efetivamente interdisciplinar que colabora com a explicação de problemas relevantes para a educação, a ciência e a saúde, dentre outros.

Assim sendo, o intuito deste artigo é buscar lançar um olhar, à luz da Teoria das Representações Sociais, sobre os resultados dos relatórios semestrais de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana produzidos por professoras de Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis)[2] e de Centros Municipais de Educação Infantil (Cemeis)[3], fruto de uma pesquisa realizada em resposta à demanda da Secretaria Municipal de Educação (SME), frente aos novos paradigmas instaurados sobre documentação pedagógica por políticas e documentações municipais.

Metodologia

Recorremos à Teoria das Representações Sociais, como proposta pelo psicólogo social francês Serge Moscovici, para buscar lançar um olhar aos mais diferentes significados que estejam sendo conferidos pelas professoras aos relatórios de aprendizagens das crianças que permeiam os resultados do estudo intitulado “Análise e orientações sobre relatórios de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana” (SÃO PAULO, 2019a). No intuito de conferir uma feição de base mais qualitativa aos fenômenos de representação social, tomamos como ênfase a corrente teórica de Denise Jodelet, por ser a abordagem mais próxima do “constructo original”.

Para Spink (1995), a Teoria das Representações Sociais tem por objetivo entender a construção da realidade na interface entre explicações cognitivas, investimentos afetivos e demandas concretas derivadas das ações do cotidiano. É, pois, partindo do entendimento de que as representações sociais se encontram ligadas, enquanto fenômenos psicológico e cognitivo, à dinâmica e à energética das interações sociais, que a tomamos como suporte teórico metodológico. Moscovici (2003, p. 322) nos diz que, “quando se estuda o senso comum, o conhecimento popular, nós estamos estudando algo que liga sociedade ou indivíduos, a sua cultura, sua linguagem, seu mundo familiar”.

Desenvolvimento

“Análise e orientações sobre relatórios de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana” – um olhar do documento à luz da Teoria das Representações Sociais: o que os dados nos revelam?

A história da educação brasileira mostra que, durante certo tempo, o termo “avaliar” foi usado como sinônimo de “medida” sendo, portanto, a avaliação escolar concebida como uma forma de classificar e promover o aluno. Entretanto, no final de 1970 e, principalmente, a partir de 1980, esse paradigma avaliativo passou a ser alvo de uma série de questionamentos por parte de diversos especialistas da educação empenhados em buscar novos caminhos para a prática avaliativa (PERRENOUD, 1999; MÉNDEZ, 2002; HOFFMANN 2003, 2005; LUCKESI, 2005).

As novas dimensões assumidas pela avaliação têm levado as políticas educacionais brasileiras a impulsionar uma discussão sobre a concepção de “avaliação” e de registros mais coerentes com os novos paradigmas instaurados. Nessa perspectiva inclusiva, a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), a partir de documentos como a Orientação Normativa nº 01/13 – Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares (SÃO PAULO, 2014), a Orientação Normativa de registros na Educação Infantil (SÃO PAULO, 2020) e o Currículo da cidade: Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019b), vem preconizando a defesa de uma avaliação de base processual. Nesse contexto, os registros de acompanhamento necessitam ser construídos ao longo do processo de aprendizagem e devem privilegiar o percurso individual de cada aprendente, de modo a expressarem seus avanços, suas conquistas, descobertas e dificuldades e servirem como excelentes instrumentos na promoção de reflexão do trabalho pedagógico.

Como fruto das diversas ações que a PMSP vem desenvolvendo para favorecer a ressignificação da avaliação e dos registros no contexto escolar, surgiu a proposta de trabalho intitulada “Análise e orientações sobre relatórios de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana”, com o objetivo de analisar a estrutura e o conteúdo dos relatórios semestrais de acompanhamento das aprendizagens de cinco crianças de turmas do Infantil I e II, matriculadas em Emeis e Cemeis da PMSP, de cada uma das 59 unidades escolares, distribuídas pelas 13 Diretorias Regionais de Educação (DREs)[4].

A pesquisa foi desenvolvida no ano de 2018 e foram recolhidos para análise 1.142 relatórios relativos ao primeiro e ao segundo semestres de cada criança, das cinco sorteadas das turmas de infantil I e II. Entretanto, por motivos de “saturação amostral” – isto é, quando os dados passam a apresentar certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir em sua coleta –, o estudo decidiu pelo sorteio de apenas duas crianças para a inclusão de seus relatórios na referida análise, o que totalizou 722 documentos.

Quanto à estrutura dos relatórios, os resultados apontados pelo documento mostram que a maioria dos relatórios é constituída de duas partes, quais sejam: “Evidências de oferta” ou “Percurso da turma” (perfil da turma; adaptação; organização da rotina escolar; projetos, trabalhos e atividades; metodologias; objetivos pedagógicos; linguagem oral e escrita; meio ambiente; natureza e transformações; pensamento matemático; expressão artística; expressão corporal e movimento; expressão musical; brincadeiras livres, dirigidas e tradicionais; faz de conta; autonomia; interação; cuidados de si e avaliação) e “Evidências de aprendizagens” ou “Percurso da criança” (características pessoais da criança, aprendizagens e seus fazeres de modo conciso, objetivo e genérico).

É válido destacar ainda que, em todos os relatórios analisados, havia um cabeçalho com detalhes referentes à turma, às professoras e à frequência. Em um número expressivo deles, havia espaço para os familiares escreverem; em alguns, havia recomendações às famílias/responsáveis e/ou inserção de fotos referentes ao desenvolvimento de atividades coletivas. Raras, porém, foram a aparições de imagens em que se privilegiavam as aprendizagens individuais.

Em relação ao conteúdo dos relatórios, os dados apontados no estudo revelam que, quanto às “Evidências de oferta” ou ao “Percurso da turma”, há inúmeras evidências de ofertas reportadas nos relatórios, mas poucos são aqueles que evidenciam concretamente “ao que” e “como” as crianças experienciam ou reagem às propostas, ou “como” fazem uso do conhecimento em outros contextos.

O estudo destaca ainda que, nos relatórios analisados, há certa preocupação em demonstrar que estão afinados com o projeto municipal, ao enfatizarem a criança como sujeito de direito, ativa e participativa, mesmo que não revelem claramente como implementam esse embasamento teórico.

Os discursos das docentes revelam que as instâncias institucionais e as redes de comunicação informais ou da mídia à qual estão expostas pressionam e concorrem para a construção de representações sociais acerca do objeto.

De acordo com Jodelet (2001), as representações sociais são criadas porque sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo que nos cerca, de modo que possamos nos ajustar a ele, identificando e resolvendo os problemas que se apresentam. Seria, na perspectiva da autora, a “pressão à inferência”, ou seja, a necessidade de “estar por dentro”, de agir, tomar posição ou obter reconhecimento e adesão dos outros sujeitos acerca dos “fenômenos ainda não familiares”.

No que diz respeito aos aspectos relacionados a “Evidências de aprendizagens” ou “Percurso da criança”, o estudo em pauta revela que, de modo geral, as descrições da criança, individualmente, eram mais curtas do que as descrições das “Evidências de oferta” ou do “Percurso da turma”. Assim, comumente encontravam-se relatórios de aprendizagens com conteúdos e uso de termos bastante semelhantes para as crianças de uma mesma turma, dificultando uma visualização das especificidades/singularidades de cada criança. Esses relatórios estavam voltados para a descrição das características das crianças (tímida, calma, dispersa, alegre etc.), de seus comportamentos (se cumpre combinados, se cuida dos pertences etc.), de seus gostos (o que mais gosta de fazer no momento de recreação etc.), de suas preferências (colegas, atividades etc.) e de algumas aprendizagens (escrita do nome com auxílio do crachá, reconhecimento de letras, contagem até 29 etc.). Ademais, as evidências de oferta não se encontravam diretamente relacionadas com as evidências de aprendizagem, já que raramente havia menções frente às descrições individuais de cada criança e de suas ações em relação ao que era oferecido e descrito na parte da turma.

O estudo mostra também que o formato e o conteúdo dos relatórios semestrais, com raras exceções, pouco se assemelham ao que propõe a literatura especializada da área, os documentos e as orientações oficiais da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Entre as formadoras das Divisões Pedagógicas (Dipeds) e as coordenadoras pedagógicas da rede, há a hipótese de que as professoras registram nos relatórios os aspectos mais observáveis/concretos do cotidiano escolar, relegando a segundo plano reflexões e interpretações sobre o observado, e selecionam informações a partir de certos critérios, como os de ordem comportamental.

Analisado à luz da Teoria das Representações Sociais, esse consenso expresso entre os grupos supracitados pode revelar um conteúdo fruto do percurso histórico dos registros na rede. Em 1985, por exemplo, o registro de avaliação das aprendizagens aparece centrado nas observações de dois elementos centrais, quais sejam: a imitação de sons e gestos e o raciocínio lógico-matemático. As fichas de saúde eram outro instrumental utilizado na rede e tinha como aspectos predominantes o desenvolvimento infantil e o comportamento da criança. Ambos os instrumentais, no entanto, foram, aos poucos, dando espaço a registros mais abrangentes, devido à limitação que os abarcava (SÃO PAULO, 2020).

Nessa perspectiva, podemos dizer que a adoção de uma postura adotada por um professor frente à elaboração dos relatórios de aprendizagem é resultante, muitas vezes, da fusão das novas abordagens da literatura educacional e das prescrições oficiais das políticas públicas educacionais contemporâneas com o modelo tradicional que permeou sua formação inicial, com os cursos de formação continuada, com as experiências das professoras enquanto alunas e/ou profissionais, com as diferentes configurações assumidas pelos registros em sua trajetória histórica, com a função social atrelada a esse tipo de documentação etc. Frente a essa multiplicidade de fatores, Moscovici (1978) diz que as representações sociais são estruturas cognitivas específicas da sociedade contemporânea, que se constroem no âmago das interações e das práticas sociais integrando, portanto, tanto a experiência e a vivência dos sujeitos que a constroem quanto sua história e sua cultura. Jodelet (2001, p. 17) endossa essa premissa afirmando que, sendo as representações sociais o ponto de intersecção entre o psicológico e o social, elas tendem a guiar o sujeito no modo de “nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva”.

A riqueza da noção de representação social, segundo Jodelet (2001), explica os focos das pesquisas nesse campo, que podem ser condensados nas seguintes questões: “Quem sabe e de onde sabe?”, “O que sabe e como sabe?” e “Sobre o que sabe e com que efeitos?”. Essas questões desembocam, segundo a autora, em três ordens de problemáticas, quais sejam: as condições de produção e de circulação das representações, seus processos e estados e, por fim, o estatuto epistemológico. Sá (1998) reconhece que tais problemáticas são interdependentes, tratando-se, de fato, de três dimensões que deveriam abranger os temas dos trabalhos teóricos e empíricos. Entretanto, para o autor, o que parece mais comum nas pesquisas que vêm sendo realizadas é um investimento maior sobre apenas uma dessas dimensões, embora seus autores mostrem-se conscientes da importância das demais. Mesmo apresentando-se como um campo de estudos multidimensional, Jodelet (2001) sublinha que o esquema de base que o caracteriza é o fato de ser um saber prático que liga um sujeito social a um objeto. Nessa linha de pensamento, Sá (1998, p. 24) complementa:

Não podemos falar em representação de alguma coisa sem especificar o sujeito – a população ou conjunto social – que mantém tal representação. Da mesma maneira, não faz sentido falar nas representações de um sujeito social sem especificar os objetos representados. Dizendo de outra maneira, na construção do objeto de pesquisa precisamos levar em conta simultaneamente o sujeito e o objeto de representação que queremos estudar.

Diante das questões postas, podemos afirmar que as representações sociais são dinâmicas, produzem comportamentos e influenciam relacionamentos, englobando ações que modificam umas às outras. Não são meras reproduções, tampouco reações exteriores; são construções interpretativas de uma dada realidade por meio da interação cotidiana que abrange parte significativa da existência humana. Sob esse ângulo, Jodelet (2001) destaca que o papel da comunicação social nos fenômenos representativos sobressai, pois, além de ela ser o vetor de transmissão da linguagem – que é, em si mesma, portadora de representações – e de incidir sobre os aspectos estruturais e as formais do pensamento social, na medida em que favorece processos de interação, ela contribui para “forjar representações que, apoiadas numa energética social, são pertinentes para a vida prática e afetiva dos grupos” (Ibid., p. 32). A autora esclarece que energética e pertinência sociais explicam, juntamente com o poder das palavras, “a força com a qual as representações instauram versões da realidade, comuns e partilhadas” (Ibid., p. 32).

Conclusões

Ao buscar lançar um olhar, à luz da Teoria das Representações Sociais, sobre os resultados do estudo intitulado “Análise e orientações sobre relatórios de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana”, os dados apontam a necessidade de um estudo mais aprofundado dos discursos circulantes e do fazer docente das profissionais da educação pesquisadas, de modo que possamos apreender o que elas pensam e sabem e analisar suas sugestões e práticas, já que podemos especular que saberes de origens muito diversas podem estar concorrendo na construção e na configuração das representações sociais. É válido dizer que, estando situada na encruzilhada de uma série de conceitos sociológicos e psicológicos, o pesquisador não pode perder de vista que as representações sociais se encontram sempre ligadas a alguém (sujeito) e a alguma coisa (objeto).

Os dados sinalizam, ainda, que as políticas educacionais e as práticas formadoras não devem perder de vista as representações sociais dessas profissionais frente ao seu processo de apropriação. Ao contrário, sugerem que elas sejam tomadas como ponto de partida para suas elaborações, de modo que articulem eficientemente teoria e prática, para que o cotidiano docente favoreça a transformação da prática frente à teoria. Nesse sentido, concordamos com Machado (2003) quando afirma que investir na teoria de modo deslocado do fazer docente apenas favorece a repetição do discurso ideológico, sem transformações efetivas na prática docente.

Referências

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HOFFMANN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. 24. ed. Porto Alegre: Mediação, 2003.

______. Pontos e contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. 9. ed. Porto Alegre: Mediação, 2005.

JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: ______. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 17-44.

JOVCHELOVITCH, S. Apresentação à edição brasileira. In: JODELET, D. Loucuras e representações sociais. Tradução de Luci Magalhães. Petrópolis: RJ, Vozes, 2005, p. 7-9.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 17. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MACHADO, L. B. O que é construtivismo? Estudo de representações sociais com professores da cidade do Recife. 2003. 240 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003.

MÉNDEZ, J. M. A. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Tradução de Magda Schwarzhaupt Chaves. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

______. Representações sociais: investigações em psicologia social. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SÁ, C. P. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M. J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 19-45.

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SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação Normativa nº 01/13 – Avaliação na Educação Infantil: aprimorando olhares. São Paulo: SME/DOT, 2014.

______. Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Análise e orientações sobre relatórios de acompanhamento das aprendizagens na Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/Coped, 2019a.

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SPINK, M. J. Desvelando as teorias implícitas: uma metodologia de análise das representações sociais. In: GUARESCHI, P.; JOVCHELOVITCH, S. (Orgs.). Textos em representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 117-145.

 

[1] Mestre em Educação (2009) e Graduada em Pedagogia (2006) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente, é diretora de escola da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase nos seguintes temas: formação de professores, prática pedagógica e representações sociais. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[2] Para crianças de 4 e 5 anos de idade.

[3] Para crianças pequenas e bebês de 0 a 5 anos de idade.

[4] “As Diretorias Regionais de Educação (DREs) são divisões administrativas que coordenam a implantação da política educacional do município, em cada território. São Paulo está dividida em 13 DREs”. São elas: Butantã, Campo Limpo, Capela do Socorro, Freguesia/Brasilândia, Guaianases, Ipiranga, Itaquera, Jaçanã/Tremembé, Penha, Pirituba/Jaraguá, Santo Amaro, São Mateus e São Miguel. Disponível em: <https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/mapa-dres/>. Acesso em: 01 nov. 2021.

 


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