POR QUE OS SISTEMAS DINÂMICOS PODEM SER PROPOSTA PARA UMA NOVA PEDAGOGIA?

Irineu Morelo Júnior[1]

Resumo

Este texto tem por objetivo tentar abrir uma discussão sobre a escola na era da informação, da tecnologia e das rápidas mudanças por que passam as sociedades e seus protagonistas e instigar a seguinte reflexão, como propõe Gadotti (2000): qual é o papel da educação na era da informação? Que perspectivas podemos apontar para a educação nesse Terceiro Milênio? Para onde vamos? Desta maneira, busca-se suscitar novas interpretações sobre os fenômenos naturais e sociais, com o intuito de estudar e reconhecer esses fenômenos, sem a pretensão de reduzir e minimizar as múltiplas interferências e correlações que compõem essas dinâmicas. Destaca-se que estão incluídos nos fenômenos sociais os fenômenos éticos, os políticos e os educacionais, que são frutos e produtos das dinâmicas dos processos que ocorrem nas sociedades e são provocados pelos sujeitos sociais em suas multirrelações. Esses sujeitos atuam como agentes e recebedores dessas ações, criando-se, assim, um processo de retroalimentação.

Palavras-chave: Pedagogia dos sistemas dinâmicos. Sistemas dinâmicos afastados do equilíbrio. Fractais. Caos determinista. Autopoiese. Auto-organização. Teoria da informação. Cognição.

Vivências e convivências para uma reflexão

Quando estive como diretor em uma Escola do Ensino Fundamental I, havia uma professora que sempre, na “atribuição” de classes – que, na verdade, é uma “escolha” –, optava por ficar com uma primeira série, cujos alunos e alunas não eram conhecidos pela escola. Algumas crianças podiam ter contato anterior com a pré-escola, outras, não; só iríamos descobrir isso, muitas vezes, após o início do ano letivo.

Ao final de cada ano letivo, todos nós da escola observávamos que os alunos e as alunas da classe dessa professora sempre tinham um desempenho que poderíamos considerar como muito bom. Não que os demais alunos e alunas das outras classes não tivessem igualmente resultados bons, mas os dessa professora eram diferentes; parecia que ela conseguia superar muitos obstáculos, sem acrescentar nenhum conflito de qualquer ordem.

Em uma conversa informal, perguntei-lhe qual era o método que ela mais gostava de considerar para se referenciar e para conseguir os melhores resultados, ou seja, se ela se identificava mais como construtivista ou como conteudista? Qual foi a resposta da professora? Nenhuma! Sua argumentação foi mais ou menos assim: “Eu tento ser aquilo que eles e elas precisam, dentro do tempo de cada um”.

A classe em que essa professora atuava era muito tranquila. Toda vez que eu passava em frente a sua sala – era caminho de acesso para o pátio da escola –, observava como ela tratava os alunos e as alunas com o devido carinho para a idade deles e delas e com a seriedade que o trabalho deveria propor. Minha interpretação era de que ela tinha uma “interação bilateral” com alunos e alunas na faixa dos seis e sete anos.

Pois bem. As escolas estão sempre tentando incorporar as metodologias que parecem ser mais significativas para a “transmissão dos conteúdos”. Aqui, eu já começaria uma reflexão sobre a própria palavra “transmissão” e até mesmo sobre “conteúdos”.

Começando com a palavra “transmissão”, etimologicamente, temos uma gama de referências: ser for em Medicina, seria transmissão de doenças; na Física, poderia referir-se a troca de calor, condução de energia elétrica, ondas eletromagnéticas para imagens ou sons, para televisão ou rádio; em Informática, transmissão de dados por códigos binários. Enfim, podemos ter uma ideia bastante ampla da palavra, embora sua utilização remeta-nos sempre a uma previsibilidade nessa “transmissão”. Então, o que aquela professora fazia com seus alunos e alunas, no meu ponto de vista, era uma “interação”, e não uma “transmissão”.

A palavra “conteúdo”, da mesma forma, parece reportar-se ao espaço ocupado, total ou parcialmente, por algo, dando uma impressão de quantidade, ou até mesmo de alguma coisa bem determinada e definida, por exemplo: uma garrafa tem um “conteúdo” de 660 ml, ou um 1 litro é igual a 1000 ml.

A professora do primeiro ano não “transmitia conteúdos”. Ela interagia com informações que criavam significados cognitivos coerentes e, dessa forma, ampliava a capacidade de os alunos e as alunas retornarem essas informações como conhecimento. Isso era “interação com ressignificação através de um processo dinâmico” (MORELO JÚNIOR, 2021, p. 198). Assim, no meu entendimento, uma sala de aula poderia ter a seguinte definição, dentro de um pressuposto sistêmico:

Uma sala de aula é uma emergência sistêmica que envolve vários níveis de contextualizações e possibilitam a confluência de várias relações. Diversos subsistemas com compreensão dentro de uma pluralidade, de natureza muitas vezes diversificadas, compartilhando um mesmo espaço, que deve ter um significado proporcionado, principalmente, pelos adultos da relação, através da conectividade e da coesão. Cada um exibindo propriedades e funções partilhadas. Funções estas que só ganham sentido na coerência do todo sistêmico. Desta forma, proporcionando a possibilidade de emergir sujeitos com diferenciações significativas após estas interações, num processo temporal (MORELO JÚNIOR, 2021, p. 198-199).

Aqui não fica uma crítica estrita aos termos, pois são palavras utilizadas e introduzidas nos conceitos, nas épocas de elaboração dessas concepções.

Quando falamos em transmissão/interação ou conteúdo/informações, esses termos podem até parecer a mesma coisa ou, pelo menos sem um sentido mais amplo, ter os mesmos significados. A questão, entretanto, estaria relacionada aos resultados que esperamos nas duas relações, principalmente como essas relações se estabelecem no processo, no interior das escolas, através dos significados que as professoras e os professores terão a respeito desses conceitos. Eu diria que esses conceitos têm sentidos deterministas e lineares, ou seja, sempre com competências assertivas, expressando uma exatidão nos resultados esperados, nos conceitos e nas percepções, e que estes criariam as mesmas transformações em todos e todas, sempre iguais e com a mesma eficiência, pelo menos para alguns.

Por esse motivo, a palavra “aprendizado” parece-me ter mão única: eu ensino, você aprende. Deveria ter mão dupla: na interação, posso criar significados em alguém e, da mesma forma, posso criar significados em mim mesmo (MORELO JÚNIOR, 2019).

Como os professores e as professoras estão em uma fase mais madura, já passaram por muito mais experiências nas sociedades, ou seja, já interagiram com uma quantidade de informação muito mais ampla, a probabilidade de os alunos e as alunas interagirem com mais informações é maior, a partir da professora ou do professor, mas não significa que a relação inversa, dos alunos e das alunas para as professoras e os professores, esteja descartada. Já convivi com alunos e alunas com um potencial muito alto de interações significativas, em muitos aspectos.

Nas escolas, vemos as percepções relativas ao aprendizado com uma visão mais determinista: “Se eu falo ‘isto’, responda ‘isto’; se responder ‘aquilo’, não estará correto”, e, ao final do processo, aplico uma avaliação e concedo uma nota ou conceito. Tudo isso, aliás, associado ao tempo estabelecido pelo relógio, introduzido nas escolas por volta do século XVI, como mostra Petitat (1994, p. 92):

[...] a nova noção de tempo penetrou profundamente a transmissão e o aprendizado dos conteúdos culturais. Associou-se a outra noção, a de avaliação, de rentabilidade e de intensidade do trabalho escolar. O bom aluno é aquele que aprende rapidamente o que lhe é ensinado; o mau aluno é incapaz de adquirir os conhecimentos no tempo destinado para tanto. A folha do exame deve ser entregue no final do horário e a rapidez das respostas torna-se um critério de avaliação nas provas orais. Na base das classificações de alunos e de todo o sistema de competição posto a funcionar, encontramos esta nova relação com o tempo.

Talvez, atualmente, muitos professores e professoras não concordem plenamente com esse conceito, mas, para uma maioria, mesmo não concordando, o processo ainda tem essa característica geral, não muito diferente desse contorno.

O determinismo ou cartesianismo é parte do processo científico que sempre tenta propor uma resposta com precisão a modelos da natureza, até mesmo tentando simplificar esses sistemas e atribuir uma resposta única e simples.

René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, escreveu o “Discurso sobre o Método”, também traduzido como “Discurso sobre o Método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência”. É sua a célebre frase: “Cogito ergo Sum” ou “Penso, logo existo”. Descartes é considerado o Pai do Reducionismo, em que fenômenos complexos podem ser decompostos em suas manifestações mais simples, ou seja, estudar as partes e entender o todo (MORELO JÚNIOR, 2019).

Por esse motivo, critiquei as palavras “transmissão” e “conteúdos”, pois elas nos remeteriam, na minha visão, sempre às “certezas”, em que o aprendizado deve ser visto e interpretado como uma probabilidade. Dependerá de uma “interação bilateral consensual em processos de transformação”. Certamente, não são essas as únicas palavras com conceitos amplos e voltados a uma visão múltipla, usadas na educação atual; poderemos achar outras.

Alguns sistemas da natureza podem ser estudados por esses mecanismos deterministas e oferecer resultados satisfatórios. São chamados de Sistemas Lineares – por exemplo, localizar um planeta no Sistema Solar –, mas a maioria dos sistemas da Natureza é muito mais complexa e, quando reduzimos essa complexidade, tiramos as possibilidades de entendimento com mais coerência. A palavra “complexidade”, por si só, já resulta em uma nova visão sobre como interpretamos a natureza. Desta forma, qual seria, atualmente, a visão que teríamos sobre o “Reducionismo”? A complexidade tenta ampliar nossa visão sobre os fenômenos do que seja a natureza, mas sem reduzi-los somente às partes, pois estas não são uma expressão fidedigna da representação do todo, podendo ser apenas uma forma reducionista de interpretá-lo. Elas são unas e múltiplas.

A complexidade, segundo Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 44), “é um tecido de elementos heterogêneos inseparavelmente associados, que apresentam a relação paradoxal de serem unos e múltiplos”. Então, ser complexo não seria uma nova explicação a algo que não conseguimos entender, mas sim uma dificuldade de propor uma explicação simplificadora a algo com muitas mais variáveis envolvidas. “O todo está na parte.” Não significa que a parte seja reflexo, puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, mas, de algum modo, contém o todo (MORIN, 1996).

A complexidade deu à natureza a dimensão de que os fenômenos observáveis têm lógicas, na maioria das vezes, imprevisíveis, ligadas a probabilidades e com grande dose de acaso (MORELO JÚNIOR, 2019).

A partir da década de 1950, surgiu a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), proposta pelo biólogo e filósofo austríaco Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), tentando transpor áreas distintas das ciências e propor uma integração como forma de interpretação conjunta. Segundo Bunge (1979, apud VIEIRA, 2008), a TGS é uma boa candidata a ser o que poderia se chamar de Ontologia Científica. Desta forma, podemos tentar transpor algumas barreiras. Uma das vantagens da prática Ontológica é que, ao lidarmos com traços muito gerais de coisas, podemos utilizá-los para fazer comparações e conexões, inter e transdisciplinares (VIEIRA, 2008).

Uma noção de sistema é dada por um conjunto de elementos que possuem relações entre si (PESSOA JÚNIOR, 1996). Sistemas possuem uma dinâmica de evolução, portanto, podem entrar em transformação.

Atualmente, usamos a palavra “sistema” para muitas situações: sistema financeiro, sistema político, sistema imunológico, sistema solar, sistema bancário, sistema educacional e, até mesmo, sistema prisional, dentre outras. Novamente, deparamo-nos aqui com uma palavra que pode ter inúmeros significados, como foi o exemplo de “conteúdo” e “transmissão”, mas, da mesma forma, por apresentar elementos para a ampliação de sua composição etimológica em sua constituição, devemos ser cautelosos em sua utilização ampliada.

Os sistemas, como dado pela definição acima, podem ser abertos ou fechados. Sistemas fechados partilham propriedades e interagem somente com integrantes de seus próprios sistemas. Sistemas abertos partilham propriedades e interagem com o meio em que se encontram, inclusive com outros sistemas. Consideramos que o único sistema realmente fechado é o Universo; todos os demais são sistemas abertos, em algum nível, e interagem de alguma forma também em algum nível.

Alguns sistemas são chamados de “conservativos” e as condições posteriores às suas evoluções tornar-se-iam bastante previsíveis. São considerados sistemas lineares.

Outros sistemas são chamados de “dissipativos” e podem criar condições afastadas do equilíbrio e ser sistemas não lineares, não tendo, portanto, uma previsibilidade bem determinada.

Segundo Prigogine (1996), a natureza apresenta-se definida por esses processos irreversíveis; os processos reversíveis são uma exceção.

Um sistema em interação passa por fases, ou seja, seus estados podem sofrer transformações no curso do tempo. Essas fases são denominadas “retratos de estados” ou “espaços de estados”. Para um sistema evoluir no tempo, ele passaria por esses “retratos de estados” ou “espaços de estados” e cada um seria um momento dentro de um continuum. Esses sistemas podem sofrer bifurcações.

Os sistemas dinâmicos não lineares afastados do equilíbrio, ou seja, dissipativos, têm uma evolução no tempo sem retorno ao que eram antes, então sua evolução está sujeita a uma única direção no tempo. Eles são chamados de “irreversíveis”.

Dessas interpretações, surgiu a concepção de “auto-organização”. A auto-organização seria uma dinâmica entre os elementos formadores desses sistemas, que os fazem entrar em interação e, desses sistemas, emerge uma organização, ou seja, uma auto-organização, a partir das próprias estruturas formadoras.

Como todos os sistemas são abertos em algum nível, poderá haver a troca de interações sistêmicas, ou seja, interações entre sistemas. Pode acontecer ainda que outros sistemas se formem, da mesma maneira, dentro de outros sistemas que já existiam, podendo se tornar, assim, sistemas de sistemas. Um exemplo desses sistemas de sistemas poderia ser o próprio ser vivo. Os seres vivos são formados por átomos, que formam as moléculas, que formam as células, que formam os tecidos, que formam os órgãos e formam um ser vivo. Cada uma dessas formações seria um sistema e a emergência final seria o ser vivo. Se forem, por exemplo, os seres humanos, formariam a sociedade e seus vários sistemas.

Tudo isso, no caso dos seres humanos, dado por um sistema complexo e ainda não bem entendido chamado “Consciência”, um sistema neural, com trilhões de sinapses, aliás, muito parecido visualmente com a própria estrutura das galáxias no Universo. Poderíamos, desta forma, chamá-lo de “exótico”, que nos torna interpretadores daquilo que ele próprio, ou seja, o ser humano foi formado e transformado nesta natureza criadora.

Ainda dentro da ideia de sistemas, Maturana e Varela (2011) mostram que alguns sistemas vivos se recriam a si próprios, ou seja, autossustentam-se. Esses sistemas são chamados de “autopoiéticos”. Diferente da auto-organização, que pode ser associada aos sistemas físicos ou químicos, os sistemas autopoiéticos traduzem-se aos seres vivos. Uma célula é um exemplo de autopoiese. Ela necessita somente de elementos vitais do meio, mas todas as transformações para sua sobrevivência são realizadas dentro do metabolismo celular. Seria assim a homeostase e, desta forma, podemos ter seres vivos unicelulares.

Sistemas mentais, que se associariam mais amplamente aos sistemas cognitivos humanos, recebem informações em quantidades diversas e, muitas vezes, desnecessárias, voluntárias, involuntariamente ou, até mesmo, na forma de ruído. Portanto nosso aparelho decodificador, nosso cérebro, interagirá com tudo ou com quase tudo que puder, e não com aquilo que é estritamente necessário, como é o caso de sistemas autopoiéticos. Desta forma, na minha opinião, o sistema cognitivo humano seria uma auto-organização, e não uma autopoiese.

Como mostra Damásio (2010, p. 382):

[...] nosso cérebro é um sistema de sistemas. Cada sistema é composto por uma interligação elaborada de regiões corticais e núcleos subcorticais pequenos, mas macroscópicos, compostos por circuitos locais microscópicos, que são feitos de neurônios, todos ligados por sinapses.

O sistema cognitivo humano teria tal complexidade que poderia ser comparado a um sistema quântico! Não sabemos exatamente o que entra, como entra e como se estabelece, mas cria um padrão em nosso sistema cognitivo. Nosso cérebro produz mapas e cria imagens, como propõe Damásio (2010).

Todos esses mapas imagéticos são iguais para todos e todas que estão interagindo na sociedade? Acredito que não, mas os padrões que eles projetam têm muitas redundâncias e semelhanças entre si, portanto criam-se padrões mais amplos e gerais, com muitas referências, que poderíamos chamar de “comuns”, com significados de relações para os sujeitos sociais.

Em 1948, Claude Shannon (1916-2001) propôs a Teoria Matemática da Comunicação. Inicialmente, seria para resolver problemas relacionados à transmissão de dados e ao ruído nas transmissões de sinais. Conjuntamente com Warren Weaver (1894-1978), Shannon tornou a Teoria Matemática da Comunicação uma linguagem inteligível para outras áreas, ficando conhecida como Teoria da Informação.

A informação, por ser redutora das incertezas, é a fornecedora da “matéria-prima” – se pudermos chamá-la dessa forma – para a construção do conhecimento (MORELO JÚNIOR, 2019). Nesse caso, estou dando dois sentidos distintos, mas dependentes, para “informação” e “conhecimento”. Nem toda informação gera, necessariamente, um conhecimento, principalmente mais elaborado, mas, para termos o conhecimento, seria necessária a informação. Então ela seria a matéria-prima para a construção do conhecimento.

Note que, até aqui, são mencionadas apenas algumas referências históricas, para podermos chegar a uma visão dos rumos que as ciências, em suas mais variadas áreas, cada vez mais, vão ampliando para novas pesquisas, abrindo criativas novas possibilidades de interpretação da natureza.

Desde a década de 1960, com as observações efetuadas por Edward Lorenz (1917-2008), meteorologista e matemático, a teoria dos sistemas caóticos tem suscitado amplos e novos debates sobre os dogmas cultivados pelas ciências e pela filosofia através dos tempos.

A teoria do Caos Determinista, como ficou conhecida, abre uma nova e fecunda área de pesquisa, suscitando uma gama de novas visões. A cultura contemporânea, na qual se sobrepõem linguagens, tempos e projetos, tem uma trama plural, com múltiplos eixos problemáticos. Talvez possamos falar do término de uma visão da história determinista, linear, homogênea e do surgimento de uma consciência crescente da descontinuidade, da não linearidade, da diferença e a necessidade do diálogo como dimensões operativas da construção das realidades em que vivemos (SCHNITMAN, 1996). A partir desse ponto, não devemos nos poupar de ousar a refletir, de propor uma argumentação que traçará as construções das realidades que vivemos.

Ainda dentro de uma visão inovadora, os trabalhos de Benoit Mandelbrot (1924-2010) vieram mostrar a nova ordem das microescalas, geradoras das macroescalas, e suas implicações em um mundo agora com uma visão cada vez mais fractal e menos homogêneo.

Essas visões sobre a natureza, propondo uma nova interpretação da realidade, redundaram em um movimento, embora não consensual entre todos os filósofos, denominado Pós-Modernidade. Também não entrarei no debate se estamos na Pós-Modernidade ou em uma outra fase da Modernidade, mas ficarei com o conceito de Santos (2010, p. 161) e sua afirmação: “A luta pela ciência pós-moderna e pela aplicação edificante do conhecimento científico e, simultaneamente, a luta por uma sociedade que se torne possível e maximize a sua vigência”.

Considerações finais

A educação para todos e todas, de uma forma ampla, parece-me mais uma utopia do que uma realidade a ser objetivada! Em Machado (2002, p. 45) temos uma visão sobre essas possíveis mudanças:

Na realidade, o cenário subjacente às formas de organização do trabalho escolar, das séries iniciais à universidade, é predominantemente cartesiano, compatível com as concepções tayloristas sobre a divisão do trabalho, mas fora de sintonia com os paradigmas emergentes, que destacam a ideia de rede como metáfora para as articulações entre indivíduos e sociedade.

Então, se nos contentarmos ou nos adequarmos a essas condições, o processo estará sendo realizado, tudo estará sendo conduzido e muito bem! Teremos os “aptos”, os “eleitos”, os que possuem “dons”, aqueles cuja “sorte” prevaleceu e, na mão contrária, as “sinas”, aqueles e aquelas que “não fizeram por merecer”, “não se ajustaram ao processo”, enfim, tudo aquilo a que podemos dar nomes, qualificar e achar motivos para justificar todos os tipos de injustiça.

Poderíamos mudar esses conceitos sociais? A resposta não seria simples nem objetiva, mas, se tivermos uma escola mais significativa, inclusiva, igualitária, quem sabe!

Como uma escola poderia mudar sua contribuição social? A resposta a essa pergunta teria de ser buscada. Na minha opinião, o que traduz uma escola em sua atuação é seu modelo de (aqui vou usar duas palavras que critiquei no início) “transmissão dos conteúdos”, que eu traduziria como “interação com informação e ressignificação através de um processo dinâmico”. Isso nos reportaria a uma nova Pedagogia, como um Sistema Dinâmico Afastado do Equilíbrio. Pois bem. E o que seria isso? Seria uma transformação na forma de as escolas introduzirem novas concepções e visões sobre como se processam as informações nos contextos sociais. Observamos essas propostas na visão de Assmann (2004, p. 40):

A aprendizagem não é um amontoado sucessivos de coisas que vão se reunindo. Ao contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neurais extremamente complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais qualitativamente novos no cérebro humano. É isso que dou o nome de morfogênese do conhecimento. Neste sentido, a aprendizagem consiste numa cadeia complexa de saltos qualitativos de auto-organização neuronal da corporeidade viva, numa clausura operacional (leia-se organismo individual) se auto-organiza enquanto se mantém numa acoplagem estrutural com o meio.

Através do processamento das informações e das ações cognitivas, os sujeitos sociais vão se transformando nos ambientes educativos.

Para termos uma visão transformadora, precisamos compreender que escolas são sistemas modelados pelas pedagogias, que estão imersas nas sociedades e atreladas a modelos advindos dos paradigmas aceitos nessas sociedades. Os paradigmas são modelos consensuais dentro da aceitação dos padrões e dos modelos advindos das ciências. O paradigma em que está assentada a nossa pedagogia atual seria o Paradigma Determinista, ou seja, uma ação assertiva com uma solução simplificadora e sempre apresentando resultados previsíveis. Foi por esse motivo que critiquei as palavras “transmissão de conteúdo”. Como mostra Kuhn (2011, p. 147): “Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seus olhares em novas direções”.

Temos aqui uma questão muito complexa! Primeiramente, precisamos entrar em um acordo de que Pedagogia deveria ser uma ciência, que poderia ser independente, mas, com toda certeza, interdependente de outras áreas, como qualquer ciência. Outra questão seria amparar-se em um novo paradigma, ou seja, nos paradigmas emergentes!

E por que precisaria ser uma ciência? Porque a Pedagogia tem um objeto de estudo próprio: a imersão dos sujeitos sociais às informações elaboradas e, com um sentido coerente, produzindo como subproduto o conhecimento, através de processos sígnicos e significações cognitivas, gerando, consequentemente, diferenciação e transformação dos sujeitos sociais em processos dinâmicos.

E por que em um novo paradigma emergente? Porque temos de interpretar o ser humano como sistema, a sociedade como sistema, e integrá-los no sistema que nos inclui, a natureza. Poderemos ter, portanto, uma interpretação da natureza como um Sistema Dinâmico não linear, afastado do equilíbrio e, como estamos incluídos nele como seres humanos sociais, teremos uma interpretação semelhante.

E como a escola, nesse contexto e com suas possibilidades de interação com quase todos os seres humanos, poderia contribuir para termos uma sociedade mais equânime, uma espécie menos predadora no meio ambiente e integrada a esse mesmo meio ambiente? Mudando sua concepção pedagógica, ou seja, seus fundamentos essenciais. Como nos mostra Capra (2005, p. 94:

Para compreender a estrutura dessas redes, temos que lançar mão de ideias tiradas da teoria social, da filosofia, da ciência da cognição, da antropologia e de outras disciplinas. Uma teoria sistêmica unificada para compreensão dos fenômenos biológicos e sociais só surgirá quando os conceitos da dinâmica não lineares forem associados a ideias provindas desses campos de estudo.

Em quais modelos e padrões deveríamos nos amparar para estruturar uma nova Ciência da Pedagogia? Suas bases epistemológicas estariam nas ciências que chamei de Pós-Modernas, nos paradigmas emergentes. Seria uma Ciência da Pedagogia no Paradigma Pós-Moderno.

Uma nova Pedagogia, portanto, não se traduziria em uma nova metodologia, mas sim em uma forma de encarar e ver a educação e a ação desta nos processos sociais. Uma metodologia poderia somente ser vista, de certa forma, como uma tentativa de “transmitir” os “conteúdos” para que estes fossem “assimilados”, verificados pelas “avaliações” e, assim, cumprir os “planejamentos”. Essa nova Pedagogia seria uma maneira diferenciada de olhar a ação educativa dentro de um conceito inovador, para conseguirmos fazer uma interação bilateral, propor informações coerentes e significativas, na conformidade de todos e todas a elas expostas tornarem-se diferenciados pelo conhecimento. A partir daí, poderá haver a emergência para criarmos cidadãos com igualdades dentro da diversidade da espécie humana, nesta fase das tecnologias instantâneas e globalizadas.

A escola tem de ser uma possibilidade de inserção, e não de classificação para os que possuem elementos facilitadores nas convivências coletivas, ou dificultadores, no caso dos que têm características mais introspectivas. Somos seres únicos, porém com muitas semelhanças, devido ao convívio social, mas não somos iguais em todos os aspectos dentro dessas relações.

Mas a escola nunca foi assim! Por que deveria ser assim agora? Bem, a sociedade mundial, da mesma forma, nunca foi como é atualmente. O mundo nunca teve 7,5 bilhões de habitantes; nunca devastamos tanto nossas florestas, em vários locais do planeta, para fins de agricultura e pecuária; nunca produzimos tanta poluição, de todas as formas – gases, lixo e, principalmente, plásticos, que estão matando a vida nos oceanos; nunca possuímos tantas indústrias, de todas as ordens e processos de produção; nunca possuímos uma economia globalizada e interdependente em algum sentido, mesmo que fosse somente para os chamados “investimentos”; nunca nos comunicamos com tanta facilidade mundialmente através da internet ou de qualquer outro veículo de propagação de informação; nunca exploramos tantos recursos naturais, que, de uma maneira ou de outra, são finitos; nunca tivemos tantas megacidades densamente povoadas; nunca precisamos de uma quantidade enorme de energia elétrica para todos os nossos fins diários etc. Enfim, acho que poderíamos relatar infindáveis motivos.

Portanto, temos de ampliar nossa visão e abrir possibilidades para uma Escola amparada por uma Pedagogia dos Sistema Dinâmico Aberto e Adaptativo (PSDAA); uma Escola transformadora que contribuiria para transformar a sociedade.

Referências

ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. 8. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2004.

CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2005.

DAMÁSIO, A. O livro da consciência: a construção do cérebro consciente. Lisboa: Temas e Debates, 2010.

GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. São Paulo em Perspectiva, 14(2), p. 3-11, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000200002&Ing=es&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 01 jun. 2021.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 10. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2011.

MACHADO, N. J. Qualidade na educação: as armadilhas do óbvio. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). Pensando e fazendo educação de qualidade. São Paulo: Editora Moderna, 2002, p. 13-50.

MATURANA, H.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena Editora, 2011.

MORELO JÚNIOR, I. Pedagogia dos sistemas dinâmicos abertos e adaptativos (PSDAA) – uma relação entre: educação, teoria dos sistemas, complexidade e cognição. São Paulo: Scortecci Editora, 2019.

______. A escola no seu dia a dia: uma reflexão. São Paulo: Scortecci Editora, 2021.

MORIN, E. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, D. F. (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 274-286.

______.; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizado pelo erro e incerteza humana. São Paulo: Cortez Editora, 2003.

PESSOA JÚNIOR, O. Medidas sistêmicas e organização. In: DEBRUN, M. M.; GONZALEZ, M. E. Q.; PESSOA JÚNIOR, O. (Orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares – v. 18. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1996, p. 129-161.

Petitat, A. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1994.

PRIGOGINE, Y. O fim das certezas. São Paulo: Unesp, 1996.

SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2010.

SCHNITMAN, D. F. Introdução: ciência, cultura e subjetividade. In: ______. (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 9-21.

VIEIRA, J. A. Formas de conhecimento: arte e ciência. Uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2008.

 

[1] Atuou na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como professor de matemática (1980-1986) e diretor de escola (1987-2006) e na Secretaria de Educação do Município de São Paulo como professor de ciências (1979-2011), supervisor escolar (2008) e diretor de escola (2007-2018). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 


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