Lara Simielli (EAESP/FGV) realizou, em parceria com o professor Martin Carnoy (Universidade de Stanford - EUA), um estudo profundo sobre os subsídios públicos concedidos para entidades privadas fazerem a gestão do ensino nos Estados Unidos e em outros países mundo afora.

No trabalho intitulado Escolas Charter e Vouchers - O que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação?, os pesquisadores analisaram dados consistentes e concluíram que iniciativas como o PL 573/21, que os vereadores Cris Monteiro (NOVO), Fernando Holiday (NOVO) e Rubinho Nunes (União Brasil) pretendem implementar na capital paulista, fracassaram em todo o mundo.

Lara falou com exclusividade ao SINESP e foi taxativa ao explicar por que o projeto – que pretende entregar dinheiro público para a iniciativa privada fazer a gestão das unidades escolares de ensino fundamental e médio da cidade de São Paulo – não pode ser aprovado.

Confira, a seguir, o que diz a especialista sobre o PL 573/21.

SINESP: Em linhas gerais, o que diz o PL 573/21?

Lara Simielli: O Projeto de Lei 573/2021, de acordo com a ementa, “Autoriza o Poder Executivo a implementar o sistema de gestão compartilhada em escolas de ensino fundamental e médio da rede pública municipal de ensino em parceria com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos”. Foi apresentado em agosto de 2021 e vem tramitando na Câmara Municipal de São Paulo.

SINESP: Existem experiências semelhantes à proposta do PL 573/21 fora do Brasil?

Lara Simielli: Sim. Fora do Brasil este tipo de iniciativa, que prevê o repasse de recursos públicos para escolas com gestão não-governamental, é o que chamamos de escolas charter. Há também o modelo de vouchers, que são bolsas de estudo financiadas pelo setor público para que os alunos paguem as taxas de instituições privadas de ensino. Iniciativas como estas já foram implementadas nos Estados Unidos e no Chile, por exemplo.

SINESP: Esse projeto de escolas charter, que é adotado nos EUA, melhorou o nível do ensino nas unidades que adotaram esse sistema?

Lara Simielli: De acordo com a síntese de evidências Escolas Charter e Vouchers O que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação?, não há evidências robustas que apontem que há melhora na qualidade de educação ao adotar este tipo de gestão ou subsídio. Além disso, os dados mostram que há um aumento da segregação e estratificação do sistema.

 

 “Não há evidências robustas que
apontem que há melhora na qualidade
de educação ao adotar este tipo de
gestão ou subsídio.”

 

SINESP: Segundo dados de 2021 do INEP, cerca de 80% das crianças do Estado de São Paulo estão matriculadas em escolas públicas. Qual a importância do ensino público na formação dessas crianças?

Lara Simielli: O ensino público é o responsável pela formação da maioria das crianças brasileiras – um percentual pequeno de estudantes está matriculado no ensino privado, em âmbito nacional. Neste sentido, é muito importante que esforços sejam feitos no sentido de fortalecer o ensino público, dada a sua centralidade para a garantia de uma educação de qualidade para todos os estudantes.

 

"Os dados mostram que há
um aumento da segregação
e estratificação do sistema."

 

SINESP: Quando o INEP levanta que oito em cada dez estudantes de São Paulo estão matriculados em escolas públicas (municipais, estaduais e federais), chegamos a um número muito expressivo. O que você pensa dessa iniciativa prevista no PL 573 de entregar dinheiro público nas mãos de instituições privadas para que elas façam a gestão da educação?

Lara Simielli: Este projeto de lei não tem embasamento nas evidências que foram produzidas internacionalmente em relação a subsídios públicos para escolas com gestão privada. Com o Prof. Martin Carnoy, da Universidade de Stanford (EUA), analisamos estudos sobre o tema, publicados nas melhores revistas acadêmicas do mundo e que tiveram o maior número de citações entre pares, e concluímos que não há nenhuma evidência de que a iniciativa tenha funcionado em outros países. Os resultados estão apresentados na Síntese de Evidências já mencionada. Passar a gestão da escola pública para entidades privadas não tem nenhum impacto na qualidade da educação. Mais grave do que isto é que existem  evidências de que esse modelo aumenta a desigualdade do sistema.

 

“Passar a gestão da escola pública para
entidades privadas não tem nenhum
impacto na qualidade da educação.” 

 

SINESP: O que significaria a implantação do PL 573 na realidade da escola pública municipal de ensino fundamental e médio de São Paulo?

Lara Simielli: Acho preocupante que a gente esteja avaliando implementar no município de São Paulo uma política que já se mostrou ineficiente em outros lugares. Há amplas evidências sérias e robustas neste sentido. Caso o Projeto de Lei ele seja aprovado, fica claro que existe há uma opção por aprovar uma política apenas com base na ideologia, mas não em evidências robustas.

SINESP: Por que você defende que o PL 573 seja rejeitado na educação pública municipal de São Paulo?

Lara Simielli: Não existe nenhuma evidência robusta  que embase a adoção desta política.

 

“Não existe nenhuma evidência
robusta que embase a
adoção desta política.”

  

Lara Simielli

Professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV) e Diretora de Conhecimento Aplicado do Dados para um Debate Democrático em Educação (D3e). Doutora e Mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV). Foi pesquisadora visitante na Faculdade de Educação da Universidade de Stanford. Anteriormente, foi professora no Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), Oficial de Projetos no Setor de Educação da UNESCO e Diretora Acadêmica da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Trabalhou, nos últimos 15 anos, para o governo, para organizações do terceiro setor e para organismos internacionais, com foco nos seguintes temas: política educacional; equidade; e planejamento e gestão no setor público.

A primeira audiência pública que debaterá o PL 573/21 será realizada no próximo dia 9 de agosto, às 11h, na Câmara Municipal de São Paulo. O SINESP chama a categoria para lutar contra esse projeto, com potencial altamente danoso aos gestores educacionais e à educação pública municipal de São Paulo.

 

>>>Confira aqui o estudo detalhado de Lara Simielli e Martin Carnoy

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