Cine Debate Ataque dos Cães

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Filme lança luz sobre o machismo e a objetificação da mulher em famílias tradicionais dos EUA na década de 1920

Na última sexta-feira (8), aconteceu mais uma edição do tradicional CINE DEBATE do CFCL – SINESP. Com mais de 40 filiados presentes, as discussões tiveram como objeto de análise o aclamado filme da NETFLIX Ataque dos Cães. O número alto de participantes se manteve até o final do evento. A quantidade de apontamentos no chat da plataforma utilizada para a realização da atividade bateu recorde, computando mais de 400 postagens durante as horas que se seguiram.

O filme, dirigido pela cineasta neozelandesa Jane Campion, concorreu em doze categorias do Oscar na cerimônia deste ano e levou a estatueta de melhor direção. Para muitas pessoas presentes, o filme merecia mais premiações, dado seu primor visual e o rico conteúdo da narrativa. Mas, como ressaltado pelo professor Jean Siqueira, a obra venceu diversos prêmios em outros festivais importantes da indústria cinematográfica, como o Globo de Ouro e o BAFTA.

Homenagem Póstuma ao Jurista Dalmo Dallari 

Antes do começo das considerações sobre o filme, a filiada Maria Inês Portugal fez questão de falar sobre a importância do jurista Dalmo Dallari – que havia morrido no dia anterior – para os gestores da educação do munícipio de São Paulo. Ela lembrou que Dalmo Dallari foi Secretário de Negócios Jurídicos na gestão Erundina. 

Machismo, abuso e violência em suas diversas faces chamam a atenção no debate sobre o filme Ataque dos Cães 

Iniciados os trabalhos, os mediadores Jean Siqueira e Marcos Maurício fizeram breves considerações sobre a produção da obra, equipe e elenco. Explicaram que o filme foi adaptado para o cinema pela diretora a partir do romance The Power of The Dog, de autoria do escritor estadunidense Thomas Savage, publicado em 1967.  

O evento também contou com a participação especial de Roger Oliveira, professor dos cursos de inglês do SINESP, que trouxe importantes contribuições para a interpretação do filme, partindo justamente da tradução do título para o português. Roger explicou que o título original está relacionado a um salmo bíblico e que, em algumas edições da Bíblia em circulação no Brasil, a tradução do trecho “the power of the dog” aparece como “o ataque dos cães”; portanto, a tradução do título não foi a literal, mas a que já trazem as traduções consagradas publicadas no país. Para ele, o título pode ter atraído mais o público do que se a opção fosse pela tradução literal – algo como “o poder do cão”. Lurdes Duarte – uma das filiadas assíduas do Cine Debate e dos outros Clubes do CFCL – observou que “se lembrarmos da Bíblia, o cão era considerado um animal impuro, cruel e representava o mal em algumas civilizações. É exatamente esse mal que permeia o drama, causando tensão e muita expectativa sobre o desenlace”. Além disso, em muitas das discussões os presentes falavam sobre a possibilidade de haver muitos “cães” no longa e não apenas um personagem que pudesse assumir esse papel.

Diversos temas foram discutidos ao longo das mais de quatro horas de debate: masculinidade tóxica, terror psicológico, bullying, abusos. E com os temas, várias inquietações também surgiram. Lurdes, por exemplo, levantou diversas questões: “Será que abusos produziriam pessoas perversas ou a perversidade é algo inato no indivíduo? Como lidarmos com ela, dialogando ou utilizando as armas que possuímos? Justifica-se a tomada de medidas extremas para exterminar o mal? Como uma mulher pode conviver num ambiente machista, preconceituoso, sem ser destruída? Conseguirá uma família se unir afetivamente após a extinção do mal?”

Nem todas as questões que surgiram foram respondidas. Algumas provavelmente continuam rondando a cabeça dos que participaram do debate. E isso, certamente, tem a ver com a complexidade da construção das personagens, carregadas de conflitos pessoais e ambiguidades, e, muitas vezes, dando vazão a seus sentimentos de maneiras violentas ou destrutivas. A esse respeito, a filiada Cristina Vilaça comentou: “temos a tendência de sempre ver ou de dar maior importância à violência física e na maioria das vezes subestimar outras formas de violência. Durante a discussão sobre o filme Ataque dos Cães, por exemplo, me deparei com a minha total falta de atenção para a violência do George em relação à esposa. Esse tipo de experiência é muito boa para percebermos nossas contradições”. Ao final da apresentação dos diversos pontos de vista, praticamente todos os presentes concordaram que a violência se manifesta de muitas formas.

Outros pontos importantes levantados durante as falas versaram sobre os aspectos estéticos do filme. Trilha sonora, fotografia, montagem, direção; além, é claro, da atuação primorosa do elenco. Os mediadores lembraram que foram quatro indicações ao Oscar nas categorias de Melhor Ator (Benedict Cumberbatch), Melhor Atriz (Kirsten Dunst) e Melhor Ator Coadjuvante (Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee). Para a sempre atenta e companheira de longa data dos Clubes do CFCL, Elizabeth Castellao, no filme as “intimidades se desnudam num todo cinematográfico riquíssimo: fotografias incríveis, paisagens espetaculares, trilha sonora bem selecionada, vestuário adequado às características dos personagens e à época, script preciso, com gestos e olhares que se harmonizam para dar sentido ao silêncio predominante no filme”. Segundo ela, Ataque dos Cães foi uma das melhores escolhas das edições do Cine Debate”.

E, afinal, qual seria o gênero desse filme? Um faroeste? Um bangue-bangue sem armas e tiros não dá. Um drama? Terror psicológico? Boas hipóteses. Suspense? Talvez a hipótese mais bem aceita por todos. Um suspense em que o silêncio fala muito, mostra, insinua. Um filme sobre silêncios e latidos ensurdecidos do cão presente em cada um de nós. Para Elizabeth Castellao, o Ataque dos Cães é “um maravilhoso suspense acerca da masculinidade, dirigido por uma mulher que se dedicou à desconstrução simbólica do universo machista”. Acrescentou ainda que não faltou “a marca da posição inferior da mulher num ambiente conservador e rústico exemplificado pela sociedade de Montana, EUA, em 1925”.

Na parte final do debate, Jean Siqueira mostrou algumas cenas como premissas para a conclusão de que ambos os irmãos sofreram abuso de um dos personagens centrais, fato que não apareceria fisicamente na trama: Bronco Henry. Para Elizabeth, “o movimento do filme organizado através do ‘jogo dos contrários’ permite ressaltar as características de personalidade dos personagens. Movimento este orquestrado pelas lembranças de um personagem ‘invisível’ e que tece toda a história”. Jean também explicou como a diretora montou o arco narrativo da história começando e terminando o longa numa sequência visualmente muito parecida (uma “rima visual”), em que o foco da imagem é Phil – fato que aponta para seu protagonismo na história narrada.

Já Marcos Maurício finalizou com alguns fragmentos do livro The Power of The Dog para exemplificar como a diretora conseguiu adaptar o romance de Thomas Savage de forma sutil e intrigante, fazendo com que os ângulos de câmera e as expressões dos atores falassem muito mais do que as palavras. 

Ao final, Elizabeth resumiu o que muitas pessoas presentes transmitiram, tanto em falas ao longo do evento como no chat: “Fiquei encantada com o filme. Aprendi muito com as análises dos participantes e com o processo inteligente de elucidação das questões levantadas pelos professores Jean Siqueira e Marcos Mauricio Alves. Estamos cada vez melhores!”

Participem dos Clubes! Juntos aprendemos mais e melhor!

Imagem: Reprodução

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