Por unanimidade, Colegiado do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) emitiu parecer prévio favorável à aprovação das contas da Prefeitura da capital, relativas ao exercício de 2021, mas gestão Ricardo Nunes tem prazo para investir o valor em educação.

Publicado no Portal G1 em 29/06/2022 – Veja o original.

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) reconheceu nesta quarta-feira (29) que a gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não aplicou o mínimo exigido por lei da verba destinada à educação em 2021, como o g1 revelou.

Por lei, estados e municípios devem aplicar, no mínimo, 25% das receitas de impostos em educação - quase R$ 14 bilhões de R$ 56 bilhões, no caso da capital paulista em 2021. De acordo com o TCM, Nunes investiu 22,83%, ou seja, deixou de investir R$ 1,5 bilhão.

A Prefeitura investiu 22,69% de acordo com o relatório do TCM apresentado nesta quarta em sessão plenária extraordinária para análise do balanço das contas do município referente ao exercício de 2021.

Por unanimidade, Colegiado do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) emitiu parecer prévio favorável à aprovação das Contas da Prefeitura da capital, relativas ao exercício de 2021, mas R$ 1,5 bilhão deverá ser executado até 2023.

A denúncia ao TCM-SP foi feita em fevereiro pela liderança do PT na Câmara Municipal. Junto à denúncia, o partido encaminhou uma nota técnica que esmiuça os problemas que podem provar que Nunes não cumpriu o mínimo exigido por lei na gestão do orçamento de 2021 (saiba mais abaixo).

Nunes corria o risco de ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal e até se tornar inelegível por improbidade administrativa com base na Lei da Ficha Limpa, mas em abril a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que livra de punição os gestores estaduais e municipais que não cumpriram o mínimo constitucional em investimento em educação em 2020 e 2021 em razão da pandemia.

No voto da relatora sobre a aprovação das contas do prefeito, a conselheira substituta Daniela Cordeiro de Farias destacou que a Emenda Constitucional nº 119/22 afastou a responsabilização dos agentes públicos pelo não cumprimento dos 25%, em decorrência do estado de calamidade pública provocado pela pandemia da Covid-19, mas que a emenda dispõe que eventual diferença aplicada a menor deverá ser compensada até o exercício de 2023.

Além disso, a relatora entende a necessidade da análise da matéria em autos apartados.

A denúncia

No relatório da execução orçamentária de 2021 apresentado pela Prefeitura, o cumprimento foi apenas de 0,07% superior ao mínimo (R$ 96,7 milhões), mas R$ 3,3 bilhões estão inscritos em restos a pagar, ou seja, há risco de que empenhos inadequados sejam cancelados. Empenhos são compromissos de gastos futuros. Na prática, é a reserva de determinado valor que a administração pública dá para uma despesa que ainda será feita.

Além disso, há indícios de empenhos irregulares feitos na última hora em dezembro que também podem ser cancelados, o que, se comprovado, faria com que o total aplicado seja menor do que o exigido pela Constituição.

Em março, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), informou que desconhece o relatório citado pela reportagem, pois não foi questionada pelo Tribunal de Contas do Município. A pasta afirmou que quando receber o documento, irá prestar todos os esclarecimentos que a corte julgue necessários.

De acordo com resultados da Prova São Paulo, usada para avaliar o aprendizado dos alunos, mais de 90% dos alunos do 9º ano da rede municipal de ensino da capital paulista foram avaliados com nível de aprendizado abaixo do adequado em disciplinas do currículo básico em 2021.

A avaliação mostrou ainda que 94% dos alunos do 9º ano têm conhecimentos abaixo do adequado tanto em matemática quanto em ciências naturais e 90% estão abaixo do adequado em língua portuguesa.

Entenda a denúncia

De acordo com o texto da denúncia do PT, a gestão Nunes empenhou 30% da verba anual (R$5,1 bilhões) só em dezembro, valor mais do que o dobro do empenhado no mesmo mês do ano anterior (R$ 2,5 bilhões). Só no dia 31 de dezembro de 2021, foram empenhados R$ 3,3 bilhões, valor que faltava para completar os 25% mínimos exigidos por lei.

Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, a despesa que for empenhada com base no crédito orçamentário deverá pertencer ao referido exercício, ou seja, despesas empenhadas em 2021 devem ser utilizadas, exclusivamente, para pagamento de despesas executados no mesmo ano.

A Prefeitura poderia usar a verba para pagar bônus para os professores em janeiro, por exemplo, já que o trabalho deles já tinha sido feito em 2021. Mas não pode, por exemplo, pagar por um serviço que ainda seria prestado, o que fere o princípio orçamentário da anualidade.

Além disso, o grande volume de recursos empenhados no final do exercício é um indicador de baixa qualidade da gestão, e caso, parte destes empenhos sejam irregulares pode significar o descumprimento da aplicação mínima na educação.

A denúncia analisou quatro empenhos feitos no dia 30 de dezembro, último dia útil do ano, que somam mais de R$ 1 bilhão e há indícios que estejam irregulares:

  • O primeiro é um empenho de R$ 829 milhões para gerenciamento de reformas e manutenção em 736 escolas. De acordo com especialistas, é irregular empenhar qualquer valor do orçamento do ano de exercício com um serviço que ainda será prestado no ano seguinte, fora do ano de exercício. Isso vai contra o princípio da anualidade;
  • Um segundo empenho de R$ 213 milhões foi realizado para construção de 22 escolas. Novamente, tanto os valores para gerenciamento das obras como os valores para realização das obras foram empenhados, integralmente, em 30 de dezembro, no entanto, não foram localizadas as licitações destas obras.
  • O terceiro empenho de R$ 410 milhões foi feito para a compra de uniforme escolar de 2021. Antes, o valor orçado para este fim foi de R$ 30 milhões. Para especialistas, causa estranheza um montante mais de 10 vezes maior ser empenhado no último dia do ano para este fim. Além disso, por lei a verba tem de ser usada com uma despesa de 2021, então não faz sentido usar o dinheiro de 2021 com uniformes se eles não podem mais ser usados em 2021. Também causou estranheza aos denunciantes que o empenho feito no dia 30 de dezembro não consta o nome da empresa nem o CNPJ. Para especialistas, a situação é irregular, pois é como se fosse um empenho falso.
  • O quarto empenho trata da distribuição do Jornal Joca, produzido pela Editora Magia de Ler, por R$ 40 milhões. Em 2019, a Prefeitura contratou o mesmo jornal ao custo de R$ 1 milhão. Mais uma vez, não se pode gastar do orçamento de 2021 com a distribuição de um jornal que seria feita apenas em 2022. Se não é uma despesa de 2021, o empenho é irregular.

Por fim, nem mesmo com o alto valor empenhado no último dia do ano (R$ 3,3 bilhões) foi possível cumprir as outras leis relacionadas à educação.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) destinou R$ 5,8 bilhões à cidade de São Paulo, no entanto, R$ 668 milhões não foram aplicados e ficaram em caixa sem uso.

A Lei que regulamentou o Fundeb prevê que, no máximo, 10% dos recursos recebidos no exercício podem ser utilizados no primeiro quadrimestre posterior. O volume de recursos que ficou parado ultrapassa esse limite, representando 11,34% dos recursos recebidos.

Aumento recorde de arrecadação

Para a professora de gestão de políticas públicas na Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) Úrsula Dias Peres, o não cumprimento do gasto mínimo pode ter sido causado porque a administração municipal teve o desafio de gastar mais em um ano que teve recorde de arrecadação.

“A alta recorde na arrecadação não estava prevista no orçamento inicial de 2021. O ano de 2021 começou ainda impactado pela pandemia, mas no segundo semestre, com a reabertura do comércio e serviços, a economia reaqueceu e a receita subiu, então também subiu o montante a ser gasto com educação”, explica.

De acordo com o relatório da Câmara Municipal com os indicadores econômicos da cidade, o Imposto Sobre Serviço (ISS) cresceu um volume recorde de 20,3% em 2021, o que representou quase R$ 3 bilhões a mais na arrecadação. E, por lei, um terço desse montante tem de ir para a educação.

Só com ISS, a capital paulista arrecadou R$ 21 bilhões em 2021. A previsão era de arrecadar R$ 18,3 bilhões, ou seja, foram R$ 2,7 bilhões a mais do que o previsto.

Já o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) também teve recorde de arrecadação com aumento real de 20,3%. A previsão era de arrecadar R$ 6,3 bilhões e foram arrecadados R$ 6,8 bilhões.

A alta de arrecadação também aconteceu com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Estavam previstos R$ 11,6 bilhões no orçamento, mas foram arrecadados R$ 12,9 bilhões durante 2021.

Juntos, ISS, ICMS e IPTU são os três impostos mais importantes na receita de São Paulo, representando cerca de 80% do total de receitas de impostos, de acordo com a especialista.

“Esse aumento todo repercute na educação. Quanto mais aumenta a arrecadação, mais aumenta o tanto que tem de gastar e isso vira um problema. Se não estiver bem entrosada a área que recebe o dinheiro e a área da educação que precisa investir, não se consegue gastar o mínimo necessário”, afirma.

"Inadmissível"

O vereador Senival Moura, líder da bancada do PT na Câmara Municipal e responsável pela denúncia, comemorou o reconhecimento do TCM nesta quarta-feira (29).

"É importante ressaltar que o TCM acolheu na íntegra a sugestão apresentada pela bancada do Partido dos Trabalhadores. São pontos críticos que o governo terá de fazer ajustes durante esse ano e no próximo para fazer a compensação do que eles investiram de última hora, dos empenhos sem definir a empresa credora... Ficou provado que a bancada estava correta e que isso foi reconhecido."

Para Moura, o descumprimento da execução do orçamento demonstra falta de planejamento da Secretaria Municipal de Educação.

“Quando começamos a olhar os demonstrativos orçamentários da educação identificamos que eles usaram 25,07% da verba que deveriam e isso nos deixou desconfiados. O número ficou muito próximo do mínimo que tinha de ser cumprido. Foi então que os técnicos da bancada começaram a analisar e a identificar os problemas”, afirma.

“A educação deveria ser prioridade do primeiro dia de gestão, não há justificativa para tal falta de planejamento, começamos o ano com falta de vagas no ensino fundamental, uma gestão conturbada do uniforme escolar, e o Secretário da Educação deixa para o último dia do ano o empenho de valores maiores que o orçamento da pasta da Cultura, Assistência Social e Direitos Humanos. É inadmissível”.

A verificação da aplicação anual dos limites mínimos nas contas do Executivo em 2021 se tornou objeto de acompanhamento do TCM após representação formulada pelo vereador Celso Luís Giannazi (PSOL) e pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL).

"É uma situação lamentável porque estamos acompanhando a volta às aulas presenciais e temos visto que em muitas unidades faltam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), falta papel higiênico, falta água, falta merenda ou tem comida sendo entregue estragada, além de questões graves estruturais nas escolas”, afirmou Celso ao g1.

Segundo Celso, há centenas de unidades necessitando de reforma, mas as escolas ficaram fechadas dois anos e essas reformas não foram feitas. "Havia quase R$ 380 milhões para reforma de escolas e a Prefeitura só utilizou 23% desse valor. Há uma incompetência absoluta no gerenciamento dos recursos de educação enquanto as escolas estão precisando do investimento.”

“A Prefeitura usa um argumento mentiroso e covarde de que não conseguiu utilizar todo o recurso porque as escolas ficaram fechadas, mas é o contrário. Como as escolas estavam fechadas aos alunos era o momento de usar a verba para fazer a reforma e preparar as escolas para a volta presencial segura. Há indícios fortes de que a Prefeitura não utilizou o mínimo constitucional de aplicação para a educação. Não é aceitável ter o recurso em caixa, não utilizar e deixar as nossas escolas sucateadas. Recurso tem, o que falta é responsabilidade e competência da gestão"."

Leis

O inciso III do artigo 35 da Constituição Federal prevê que o estado e a União podem intervir no município quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), de acordo com a advogada constitucionalista e mestre em finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vera Chemin.

“A partir do momento que o município não aplicou o mínimo, ele perde as transferências voluntárias a título de cooperação da União, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, a Prefeitura perderia o direito de receber a transferência voluntária por não cumprir os limites constitucionais relativos à educação”, afirma.

De acordo com Chemin, além das consequências de natureza institucional, ainda há as que deverão ser enfrentadas pelo agente público responsável pelas irregularidades, no caso, Ricardo Nunes.

"O agente público poderá ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa, cujas sanções são de caráter múltiplo, uma vez que, além das sanções correspondentes à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa e consequente inelegibilidade, existem ainda as sanções penais (detenção) e civis previstas em diversos diplomas legais, como o Código Penal que prevê crimes contra as finanças públicas (uma vez que o agente em questão infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal) e o Código Civil."

Em setembro do ano passado, porém, o Senado aprovou em segundo turno, por 60 votos a 14, a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede a aplicação de punição civil, administrativa ou criminal a governadores, prefeitos e agentes públicos que não aplicaram em 2020 e em 2021 o mínimo previsto na Constituição para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). A proposta seguiu para a Câmara dos Deputados, onde tramita, mas ainda não tem data para votação.

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