Educadoras das redes municipal e estadual contam como acontece esse processo e destacam importância da criação de projetos focados no rito de passagem
Apesar do ensino fundamental ser dividido em três ciclos na rede pública de São Paulo (do 1º ao 3º, do 4º ao 6º e do 7º ao 9º ano), as maiores mudanças enfrentadas pelos estudantes nessa fase ainda são as da passagem do ensino fundamental 1 para o 2. E essa transição pode, em muitos casos, trazer consigo alguns problemas. “Em geral, as salas que apresentam mais problemas de disciplina são os sextos anos. A questão da transição tem sido realmente problemática”, afirma Marli Macedo, coordenadora pedagógica da EMEF "Ibrahim Nobre", na zona oeste da cidade.
O maior problema, no entanto, não é o número de novidades – mas a falta de atenção específica à transição por parte da escola. Marisa Romeiro, coordenadora pedagógica da Emef Dr. Abrão Huck, conta que, em 2014, quando atuava como formadora na Diretoria Regional de Educação de Santo Amaro, participou de uma pesquisa que ouviu alunos do ensino público sobre esse assunto. E descobriu que essa é uma grande questão para os estudantes – mas que não ganha atenção proporcional da escola. “Os alunos contavam que ficavam assustados porque tinham de se adaptar ao grande número de professores, com práticas pedagógicas diferentes. Isso inibia, assustava, causava um certo receio. E, muitas vezes, a gente [escola] esquece de fazer esse rito de passagem.”
As consequências dessa naturalização incluem problemas como baixo rendimento, desmotivação, frequência irregular, repetência e evasão. É o que destaca Renata Borges, vice-diretora da Escola Estadual Pedro Alexandrino, em sua pesquisa Desafios ao educador na transição do quinto para o sexto ano nas escolas públicas do Estado de São Paulo: uma proposta de formação. “Mas vale ressaltar que a fase transitória não soa negativamente para todos os alunos, a maioria transita administrando toda a turbulência oferecida neste processo” pondera a educadora.
O que tem sido feito
Na rede municipal, desde 2013, foi instituída a docência compartilhada, que visa suavizar a transição. A iniciativa prevê a realização de projetos em parceria entre professores especialistas (do fundamental 2) e generalistas (da educação infantil/fundamental 1) no chamado “ciclo interdisciplinar” (do 4º ao 6º ano). Assim, os professores do fundamental 2 orientam projetos no fundamental 1 paralelamente às aulas normais. A medida, apesar de ser vista com bons olhos pelas coordenadoras pedagógicas consultadas pela reportagem, nem sempre é suficiente. Por esse motivo, muitas escolas recorrem a outros projetos que possam auxiliar no processo de transição.
Na Emef Ibrahim Nobre, foi instituído um projeto nesse sentido no ano passado. Um dos recursos utilizados foi a instalação de caixinhas nas salas do 5º ano, onde os alunos podiam depositar suas dúvidas e angústias com relação ao que encontrariam no ano seguinte. Essas perguntas foram respondidas pelos professores do ensino fundamental 2 numa aula especial.
Outra medida adotada foi a realização de uma reunião com os pais para conversar especificamente sobre as mudanças. “Na escola pública, em geral, os pais vão diminuindo o acompanhamento dos alunos a cada ano da vida escolar. Nessa reunião, ressaltamos a necessidade de continuar acompanhando a vida escolar do filho, mais do que nunca. É um período que a criança está entrando na adolescência, tudo muda. Há uma tendência a se desorganizar”, afirma a coordenadora pedagógica Marli Macedo.
Rede estadual
No caso da rede estadual, as mudanças podem ser ainda mais drásticas, já que há escolas que ofertam apenas os anos iniciais do ensino fundamental e outras que só atendem os anos finais. Além das adaptações ao novo modelo, há também a adaptação a uma nova escola, com rotina e proposta diferentes.
Para a vice-diretora Renata Borges, que estudou o tema em seu mestrado, a separação é positiva por permitir que cada etapa seja atendida dentro de suas especificidades. Mas, ao mesmo tempo, o modelo exige que a escola e os educadores deem ainda mais atenção à transição entre ensino fundamental 1 e 2. “Todos que participam deste processo deveriam ter formações específicas para esta mudança”, defende. Segundo Renata, a formação de professores é justamente um dos entraves para a transição, uma vez que os docentes não são preparados adequadamente para fazê-la.
Hoje, Renata afirma que a rede estadual oferece formação continuada por meio das ATPCs (Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo), que não são voltadas especificamente a esse assunto, mas acabam por abordá-lo. “Esse é um assunto bastante discutido nas escolas, embora insuficiente.”
Na E.E Pedro Alexandrino, que só atende os anos finais, a vice-diretora afirma que, para receber os alunos no 6º ano, a escola busca estabelecer uma rotina próxima à vivenciada nos anos iniciais – o que pode ser uma boa maneira de amenizar a turbulência da transição. “Os alunos fazem filas, colocamos aulas duplas para que eles fiquem um tempo maior com determinado professor, colocamos a rotina da aula na lousa, fazemos contação de história e orientamos os professores dos 6º anos diariamente para que fiquem próximos a eles [estudantes], para que se estabeleça um vínculo.”
Fonte: REVISTA EDUCAÇÃO, MAIO 2017