PROJETO DE LEI 01-00591/2023 da Vereadora Luana Alves (PSOL)

 

“Institui a Política Municipal de Atenção Integral à Orfandade do município de São Paulo, e dá outras providências.

 

A Câmara Municipal DECRETA:

 

Art. 1º. Fica instituída a Política Municipal de Atenção Integral à Orfandade do município de São Paulo, em consonância com a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Art 2º. Consideram-se crianças e adolescentes em situação de Orfandade os sujeitos de até 18 (dezoito) anos de idade incompletos, que em razão do óbito, ficaram com ausência de um ou ambos progenitores, responsáveis legais, cuidadores primários.

 

Art. 3º. Crianças e adolescentes em situação de Orfandade devem receber atenção e proteção prioritária do poder público sempre que haja indícios de violação de direitos ou de situação de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social por rompimento ou fragilidade do cuidado e dos vínculos familiares e comunitários.

 

Art. 4º. São princípios da Política Municipal de Atenção Integral à Orfandade:

I - O direito ao luto;

II - O direito ao conhecimento e preservação de sua ancestralidade;

III - O direito da criança e do adolescente em situação de Orfandade de ser ouvido e participar de processos decisórios de seu superior interesse;

IV - A promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de Orfandade, mediante atendimento humanizado integral e proteção contra todas as formas de violência;

V - O reconhecimento da Orfandade na Infância e Adolescência como uma violação de direitos que exige atuação integrada do Poder Público;

VI - A promoção do direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes em situação de Orfandade, bem como proteção integral da família em situação de vulnerabilidade social;

VII - A corresponsabilidade entre o Estado, família e sociedade civil na proteção integral a crianças e adolescentes;

 

Art. 5º. São diretrizes da Política Municipal de Atenção Integral à Orfandade:

I - identificação do óbito de um ou ambos progenitores, ou responsável legal, ou cuidador primário por meio da certidão de óbito;

II - implementar políticas públicas de forma integral, interdisciplinar e intersetorial com ações territoriais, transversais e articuladas, visando o enfrentamento de situações de risco pessoal e social decorrentes da Orfandade;

III - priorizar a manutenção do vínculo familiar por meio da família extensa por meio da concessão de benefício;

IV - priorizar o atendimento e garantir o acesso e permanência de crianças e adolescentes em situação de Orfandade nas políticas, programas, planos, projetos e serviços municipais de amparo ao luto;

V - integrar esforços com outros entes federativos, sistema de garantia de direitos, sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa para elaboração, execução, monitoramento e avaliação das políticas públicas;

VI - promover o enfrentamento do preconceito e discriminação por meio de campanhas, ações educativas e outras estratégias que favoreçam oportunidades efetivas de inclusão cidadã, familiar e de acolhimento humanizado;

VII - viabilizar o controle social dos direitos de crianças e adolescentes em situação de orfandade, promovendo a interlocução e a integração com as instâncias de participação social e processos de escuta de crianças e adolescentes;

VIII - estabelecer fluxos de encaminhamento e acompanhamento da rede de proteção integral;

IX - considerar os princípios, as diretrizes, os objetivos e as ações desta política na elaboração dos instrumentos municipais de planejamento e de orçamento.

 

Art. 6º. São objetivos da Política Municipal de Atenção Integral à Orfandade:

I - promover, em todas as suas dimensões, os direitos de crianças e adolescentes em situação de Orfandade;

II - viabilizar a gestão da informação voltada para a integração intersetorial das informações produzidas nos atendimentos e para a produção de indicadores e metas que possibilitem o monitoramento e a avaliação da política;

III - produzir conhecimento e incentivar a realização de diálogos e pesquisas sobre a temática das crianças e adolescentes em situação de Orfandade;

 

Art. 7º. O Poder Público promoverá políticas setoriais e intersetoriais de forma transversal e articulada com os demais entes federativos, sistema de garantia de direitos, sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa, ofertando serviços diversos, complementares e direcionados para as especificidades e necessidades de crianças e adolescentes em situação de orfandade.

§ 1º. O Poder Público poderá revisar, ampliar e criar serviços, programas e projetos com vistas a ampliar a proteção social e efetivar a garantia de direitos a crianças e adolescentes em situação de orfandade, observados os ritos, as normativas específicas de cada política pública, os resultados e os territórios identificados na pesquisa censitária sobre crianças e   em situação de orfandade e outros estudos e diagnósticos.

§ 2º. Para os fins do caput, devem ser implementadas ações conjuntas para elaboração de instrumentos e ferramentas que viabilizem a comunicação intersecretarial e o compartilhamento de informações sobre o atendimento de cada criança e adolescente em situação de Orfandade, por meio de:

I - protocolos integrados de identificação, de atendimento e de encaminhamento;

II - integração de bases de dados, em conformidade com a Lei nº 13.709, de 2018;

III - ofertas de capacitação para a rede de proteção;

IV - estratégias de acompanhamento especializado, individualizado e específico.

§ 3º. Os protocolos integrados deverão garantir compartilhamento de informações entre os órgãos municipais competentes.

§ 4º. Os protocolos integrados deverão contemplar a comunicação ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público nas hipóteses de trabalho infantil, exploração sexual e outras violações de direitos decorrentes da Orfandade.

§ 5º. Serão desenvolvidas ações preventivas, a partir de iniciativas intersetoriais que promovam a proteção social a famílias em situação de risco e vulnerabilidade social devido à insuficiência de renda, insegurança alimentar e nutricional, situações de violência intrafamiliar, vulnerabilidades territoriais, condições de saúde e de segurança, entre outras decorrentes da Orfandade de um ou ambos responsáveis primários da Criança ou Adolescente.

 

Art. 8º. O Poder Público produzirá anualmente, a partir de metodologia que assegure transparência e controle social, relatório de execução orçamentária dos recursos destinados a projetos e programas das diferentes políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes em situação de Orfandade.

 

Art. 9º. O Poder Público viabilizará o acesso de famílias de crianças e adolescentes em situação de Orfandade a programas de transferência de renda e outros benefícios, garantindo sua orientação e acompanhamento, a fim de promover a segurança de sobrevivência por meio da renda e autonomia.

 

Art. 10. Compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA, dentro de suas atribuições, acompanhar e monitorar as ações da Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Orfandade.

 

Art. 11. Deverá ser realizada, até o final do primeiro ano de gestão, em cada mandato do Poder Executivo Municipal, pesquisa censitária sobre crianças e adolescentes em situação de Orfandade.

 

Art. 12. É assegurado às crianças e adolescentes em situação de Orfandade o direito à convivência familiar e comunitária, cabendo ao Poder Público ofertar serviços, programas, projetos e benefícios com vistas à proteção integral da família em situação de vulnerabilidade e risco social decorrentes da perda de um ou ambos progenitores, responsáveis legais, cuidadores primários, levando sempre em conta os melhores interesses da criança e do adolescente em condição de liberdade e dignidade.

§ 1º As crianças e adolescentes em situação de orfandade constituem público prioritário para os serviços de convivência e fortalecimentos de vínculos familiares e comunitários.

§ 2º Os serviços de assistência social na execução do trabalho social com famílias, nas ofertas voltadas ao fortalecimento de vínculos e nos atendimentos domiciliares, ao identificar casos de crianças e adolescentes em situação de orfandade, devem buscar a garantia dos seus direitos, promovendo orientações sobre como requerer pensão por morte nos casos pertinentes, construindo estratégias para sua superação do luto e intervindo na busca ativa para inclusão em serviço de convivência e fortalecimento de vínculos e concessão de benefício de guarda subsidiada.

§ 3º Os serviços socioassistenciais devem orientar, apoiar e acompanhar o acesso prioritário de famílias com crianças e adolescentes em situação de orfandade aos programas de transferência de renda e outros benefícios, a fim de promover a segurança de sobrevivência por meio da renda e autonomia, bem como a manutenção do vínculo com a família extensa.

 

Art. 13. O atendimento social a crianças e adolescentes em situação de orfandade e suas famílias, nas várias tipologias cabíveis, deverá ser realizado de maneira personalizada e específica, objetivando a construção de um processo que respeite o seu luto, viabilize o exercício de seus direitos, respeitando suas singularidades e histórias de vida e compreendendo:

I - escuta qualificada e sensível associada a uma atitude de compreensão e acolhimento, suscitando reflexões sobre a sua situação atual e a busca de estratégias para sua superação;

III - estudo dos casos e das propostas de encaminhamento de maneira compartilhada com a equipe e parceiros da rede de políticas públicas, a fim de promover proteção integral à criança ou adolescente;

IV - acompanhamento individualizado e articulado com Sistema de Garantia de Direitos, de modo a promover o acesso e a permanência nos serviços, programas e projetos aos quais as crianças e adolescentes em situação de orfandade, e suas famílias, estejam vinculados;

VI - garantia do protagonismo da criança e do adolescente na construção do plano de atendimento.

VII - concessão de benefício de guarda subsidiada a família nuclear, no valor de um (1) salário mínimo renda per capta por crianças e adolescentes em situação de orfandade.

VIII - concessão de benefício, no valor de um (1) salário mínimo por criança ou adolescente em situação de Orfandade, a ser pago para membro da família nuclear ou responsável pela guarda subsidiada.

 

Art. 14. O acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade deverá:

I - Considerar seu caráter transitório e específico da condição de luto:

II - Deve ocorrer de forma breve e próxima da família extensa, considerando faixa etária, gênero, condições físicas, de saúde e de segurança da criança ou adolescente;

III - caracterizar-se como medida excepcional, buscando favorecer o estabelecimento dos vínculos familiares sempre que possível, realizando trabalho social com as famílias extensa das crianças e adolescentes, promovendo a preparação gradativa para o retorno.

 

Art. 15. As unidades de atendimento da criança e adolescente em situação de Orfandade deverão ter supervisão técnica dos serviços, cabendo-lhes promover ativamente a articulação da rede socioassistencial com outras políticas públicas e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

 

Art. 16. Fica garantido o acesso universal e igualitário às crianças e adolescentes em situação de Orfandade e suas famílias aos equipamentos da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, independente de idade, raça/cor, etnia, crença, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, de modo a promover o desenvolvimento físico, cognitivo, psicológico e social.

 

Art. 17. A política municipal de saúde deverá viabilizar projetos e ações de enfrentamento ao luto e aos problemas de saúde agravados por transtorno mental, deficiência, situação de risco, vulnerabilidade ou violência, uso de álcool e outras drogas decorrentes desse processo.

 

Art. 18. As unidades de atendimento à saúde e unidades escolares deverão notificar o Conselho Tutelar, caso tenha conhecimento de criança e adolescente em orfandade.

 

Art. 19. As unidades de atendimento à saúde deverão planejar ações conjuntas com os serviços socioassistenciais para acompanhamento em saúde das crianças e adolescentes em situação de Orfandade.

Parágrafo Único: O planejamento das ações conjuntas previstas no caput considerará o compartilhamento de informações com outros órgãos quando pertinente, sobretudo em casos de trabalho infantil, exploração sexual e outras violações de direito.

 

Art. 20. A política de saúde promoverá linhas de cuidado, a partir de serviços territorializados, voltadas à promoção da saúde mental das crianças e adolescentes, especialmente para aquelas que;

I - apresentam sofrimento psíquico grave e persistente;

II - que tenham sido vítimas ou testemunhas de violência;

III - com os direitos à convivência familiar e comunitária violados em decorrência do falecimento de um ou ambos cuidadores primários.

 

Art. 21. A política de saúde deverá estabelecer e monitorar indicadores de acompanhamento em saúde, bem como fomentar espaços junto à rede de políticas públicas para a discussão periódica e análise de estratégias de enfrentamento à Orfandade.

 

Art. 22. A política de saúde desenvolverá ações de formação e sensibilização dos profissionais da saúde sobre questões inerentes ao luto de crianças e adolescentes em Orfandade e suas famílias visando qualificar o atendimento, atentando-se para situações decorrentes de violências, trabalho infantil e outras violações de direito.

 

Art. 23. A criança e o adolescente em situação de orfandade têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, sendo-lhes assegurado:

I - acesso, permanência e aprendizagem na educação básica (regular ou na modalidade Educação de Jovens e Adultos - EJA), por meio de adoção de procedimentos administrativos específicos que contemplem as especificidades deste público;

II - abordagens pedagógicas que promovam desenvolvimento intelectual, físico, social, emocional e cultural;

III - currículos comprometidos com as diversas formas de aprendizagem dos conteúdos escolares por meio de abordagens pedagógicas que superem as visões hegemônicas e padronizadas sobre o ato de ensinar e aprender;

IV - acesso ao atendimento educacional especializado na perspectiva da educação especial inclusiva e do desenho universal;

V - espaços educativos que incluam e se atentem para as necessidades de crianças e adolescentes em luto.

 

Art. 24. A política de educação deverá desenvolver estratégias para sensibilizar a comunidade educativa sobre as crianças e os adolescentes em situação de orfandade no município, particularmente sobre os danos causados por situações de violência.

 

Art. 25. Em hipótese alguma a matrícula poderá ser recusada pela unidade educacional por falta de documentação e de comprovação de endereço de residência.

§ 1º Na ausência de documentação, os responsáveis serão orientados sobre a obtenção e entrega posterior à unidade educacional.

§ 2º Caso seja solicitada a transferência de unidade educacional pelos responsáveis durante o ano letivo, caberá ao órgão competente priorizar e garantir a continuidade de atendimento.

 

Art. 26. A política de educação promoverá, por meio do apoio e acompanhamento de equipes dimensionadas e multidisciplinares, métodos, recursos e práticas pedagógicas que possibilitem a permanência, o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças e adolescentes em situação de orfandade que se encontrem com significativos prejuízos no seu processo de escolarização.

Parágrafo Único: Para o disposto no caput, a política de educação articulará ações de busca ativa e de atendimento intersetorial para a prevenção e o enfrentamento da evasão e exclusão escolar de crianças e adolescentes em situação de orfandade.

 

Art. 27. O Poder Público promoverá políticas de geração de renda e empregabilidade para famílias de crianças, adolescentes e jovens em situação de orfandade.

§ 1º Serão ofertados cursos de qualificação profissional e geração de renda para famílias de crianças e adolescentes em situação de orfandade por meio de projetos intersecretariais no âmbito da legislação dos programas de inclusão no mercado de trabalho.

§ 2º Serão ofertados cursos de qualificação profissional e geração de renda para adolescentes a partir de 16 anos em situação de orfandade por meio de projetos intersecretariais específicos no âmbito da legislação dos programas de inclusão no mercado de trabalho.

 

Art. 28. Crianças e adolescentes em situação de orfandade têm seus direitos violados e estão expostos a violências em múltiplas dimensões, seja pelo rompimento ou fragilidade do cuidado e dos vínculos familiares e comunitários, pela situação de pobreza e/ou pobreza extrema ou pela dificuldade de acesso e/ou permanência em políticas públicas, podendo estar associadas, entre outras, às seguintes circunstâncias:

I - violência psicológica, sexual, física, química, autoprovocada, abandono, negligência;

II - trabalho infantil, inclusive em suas piores formas;

III - vulnerabilidade a diversas formas de exploração por adultos;

IV - tráfico de pessoas;

V - situação de desaparecimento;

VI - exposição e vulnerabilidade ao álcool e outras drogas;

VII - violência intrafamiliar, institucional e urbana;

VIII - crimes tipificados na lei nº 7716/89;

IX - encarceramento dos responsáveis;

X - ameaça de morte;

XI - sofrimento e/ou transtorno mental.

Parágrafo Único: O Poder Público deverá estabelecer protocolos e fluxos integrados para o atendimento das violações de direitos e violências contra crianças e adolescentes em situação de orfandade, divulgando e disponibilizando ouvidorias e canais de comunicação para o recebimento de denúncias e reivindicações de direitos.

 

Art. 29. As despesas com a execução desta Lei correrão por dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Parágrafo Único: Para a consecução dos objetivos previstos nesta Lei, poderão ser recebidas verbas de outros entes federados.

 

Art. 30. O Poder Executivo regulamentará esta Lei em até 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.

 

Às Comissões competentes.”

 

“JUSTIFICATIVA

Este PL é fruto das escutas, diálogos e reflexões da Frente Parlamentar da Orfandade e Direitos em que reuniu-se diversos movimentos sociais, pertencentes à Coalizão Nacional em Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente em Situação de Orfandade.

Estabelecemos o compromisso com políticas de proteção e cuidados à ORFANDADE COMO UM TODO, mantendo-se a compreensão sobre as ESPECIFICIDADES DE GRUPOS DISTINTOS, COMO FEMINICÍDIO, CATÁSTROFE e PANDEMIA.

Reproduzimos a seguir a Carta Compromisso da Coalizão.

1. Considerando a prioridade constitucional que assevera ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

2. Considerando que a prioridade absoluta dada pela sociedade brasileira à infância e a juventude supõe celeridade, universalidade e participação nas ações promotoras, de defesa e de controle dos direitos no âmbito dos poderes constituídos para efetivar políticas, programas e projetos de atendimento dessa população.

3. Considerando que a sindemia da COVID-19 criou uma conjuntura nacional e internacional de fragilização de direitos e a emergência de novas vulnerabilidades e desproteções sociais e que no contexto brasileiro foram agravadas pelos crimes cometidos pelo Estado Brasileiro contra sua população pela disseminação intencional do vírus SARS-CoV-2 pela inação e paralisia, pela ação irresponsável na gestão da saúde pública, pela adoção do ideário do negacionismo sanitário e científico e pela sistemática disseminação de informações erradas que estimularam a exposição ao vírus e endosso de tratamentos ineficazes prescritos para pacientes contaminados.

4. Considerando que a sindemia fez visível a invisibilidade social à qual estava relegada a orfandade de crianças e adolescentes no Brasil, por sua escala e marca geracional, inclusive no agravo de situações como a violência doméstica que vitimou crianças e adolescentes duplamente, quando vemos, por exemplo, os casos de orfandade por feminicídio. Também a sindemia produziu o agravamento de doenças crônicas tratadas com dificuldade no período pandêmico como o câncer e doenças cardíacas, entre outras. A este quadro de inviabilização da orfandade podem-se incluir a violência urbana em suas várias manifestações, entre às quais o crime organizado, a violência policial e as mortes no trânsito.

5. Considerando que a situação de orfandade que alcança crianças e adolescentes em diferentes ciclos de suas vidas se caracteriza como fato possível na história familiar e que tal previsibilidade não permite aceitá la como incólume na trajetória da infância e da juventude justamente pelos riscos que produz ao desenvolvimento sadio e pelas dificuldades concretas que faz emergir sobre as condições dignas de existência das famílias onde crianças e jovens convivem.

6. Considerando há iniciativas no Brasil, voltadas à proteção da orfandade, notadamente, a gerada pela COVID-19 e por feminicídio e que tais iniciativas diferem em muito quanto suas concepções de proteção integral, de apoio material e de apoio imaterial, assim como de seus processos de implantação e dinâmicas de avaliação sistemática de efeitos e impactos.

7. Considerando que a sociedade civil brasileira se mobilizou em torno dos direitos da memória, verdade e justiça quando às responsabilizações das mortes geradas no contexto pandêmico e que acumulou um conjunto de reflexões e sistematizações, entre às quais o processo que envolve a orfandade e o luto dela decorrente, assim como às atenções públicas devidas às crianças e aos adolescentes.

Comprometem-se em defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de orfandade, nos objetivos abaixo:

1. Atuar para que a sociedade brasileira dê visibilidade institucional à orfandade no país.

2. Atuar no sentido de que o trato da orfandade é de natureza ético-política que envolve o Estado e a sociedade, uma vez que Estado brasileiro tem se furtado a se fazer presente na atenção a orfandade por considerá-la matéria de âmbito privado ou familiar.

3. Atuar para que o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) garanta proteção integral das crianças adolescentes sob orfandade. Se entende aqui que a orfandade, do ponto de vista da proteção integral, constitui uma situação de desproteção e de risco social para a saúde física e mental de crianças e adolescentes com repercussões em sua vida e memória afetiva, suas raízes e relações de ancestralidade, memória familiar, além da preocupação com as suas condições concretas de sobrevivência e desenvolvimento integral.

4. Disseminar o entendimento de que o explícito crescimento da orfandade ocorrida no Brasil, nos últimos dois anos, é uma das expressões alongadas da COVID-19 e, por isso, deve entrar em protocolos de atenções sociais governamentais que deverão contar com a parceria da sociedade civil.”

 

Publicado no DOC de 18/10/2023 – pp. 285 a 287

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