PROJETO DE LEI 01-00449/2023 da Vereadora Jussara Basso (PSOL)

 

“Institui o Protocolo Municipal Antirracista na cidade de São Paulo e dá outras providências.

 

A Câmara Municipal de São Paulo decreta:

 

Art. 1º. Fica instituído o Protocolo Municipal Antirracista na cidade de São Paulo, a ser implantado em estabelecimentos com grande circulação de pessoas, com o objetivo de promover a equidade racial, combater o racismo e a garantir um ambiente inclusivo e respeitoso.

 

Art. 2º. A implantação do Protocolo Municipal Antirracista é obrigatória em todos os estabelelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo e será realizada a partir de ações de prevenção, conscientização e acolhimento às pessoas negras em situação de risco ou violência racial em suas dependências.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se estabelecimentos com grande circulação de pessoas aqueles que contam com 10 funcionários ou mais, como por exemplo escolas, hospitais, universidades, órgãos públicos, grandes estabelecimentos comerciais, grandes estabelecimentos de lazer, e similares.

§ 2º Considera-se situação de risco ou violência racial aquela em que uma pessoa alega ter sido constrangida e vítima de preconceito racial, por meio de tentativa de coação objetiva e subjetiva.

§ 3º Considera-se prevenção e conscientização as atividades que visem orientar o coletivo de funcionários por meio de treinamentos sobre letramento racial e racismo estrutural, incluindo situações e exemplos práticos.

 

Art. 3º. Os estabelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo mencionados no artigo 2º desta Lei deverão implementar o Protocolo Municipal Antirracista, que consistirá em um conjunto de ações, medidas e diretrizes, com o objetivo de previnir, conscientizar e acolher pessoas negras em situação de risco ou violência racial em suas dependências.

 

Artigo 4º. A implementação do Protocolo Municipal Antirracista pelos estabelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo deverá incluir, no mínimo, as seguintes medidas:

I. Formação e treinamento: a equipe de funcionários dos estabelecimentos, incluindo ocupantes de cargos administrativos, de gerência e terceirizados, quando aplicável, deverão passar por processos formativos sobre identificação de situações de racismo e acolhimento às potenciais vítimas, bem como sobre diversidade, equidade racial, história e cultura afro-brasileira e indígena.

II. Material informativo: é indispensável que os estabelecimentos disponibilizem material informativo que aborde questões de equidade racial, combate à discriminação e preconceito de raça, assim como esclareça sobre os canais disponíveis para a comunicação de denúncias de racismo ou de violência racial de forma visível em suas dependências.

III. Canal de denúncias: os estabelecimentos deverão fornecer canais físicos e virtuais de comunicação de denúncias específicos para situações de racismo ou de violência racial ocorridas em suas dependências, com garantia de anonimato para os denunciantes e que permitam a investigação e a adoção de respostas institucionais à situação.

IV. Representatividade: os estabelecimentos deverão buscar promover políticas de representatividade racial em sua equipe de funcionários, incluindo os cargos de administração e gerência.

V. Eventos e Atividades: deverão ser realizados eventos e atividades educativas que promovam o debate e a conscientização sobre a equidade racial e o combate ao racismo.

 

Art. 5º. São obrigatórias as seguintes medidas de prevenção e acolhimento às vítimas de racismo nas dependências dos estabelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo:

§ 1º. O estabelecimento deverá designar um funcionário treinado para o acolhimento da vítima, cujo nome deverá ser exposto ao público.

§ 2º. Deverá ser reservado um espaço físico para o acolhimento imediato da vítima por um profissional treinado pelo estabelecimento, que deverá ser preferencialmente autodeclarado negro.

§ 3º. A vítima deverá ser acompanhada por um funcionário especialmente treinado para o acolhimento, desde a identificação ou denúncia do ocorrido até o efetivo deslocamento para delegacias especializadas ou para atendimento psicológico.

§ 4º. Deverão ser acionadas imediatamente as autoridades policiais e órgãos de combate à intolerância.

§ 5º. Todas as ações de proteção e encaminhamento de denúncias às autoridades responsáveis deverão ocorrer com máxima discrição, visando a proteção da integridade física e moral da vítima, incluindo o sigilo de seus dados pessoais.

§ 6º. Todas as evidências que possam ser utilizadas pela autoridade policial na investigação das alegações do crime de racismo devem ser preservadas.

 

Art. 6º. São indispensáveis que os estabelecimentos promovam agilidade nas ações de auxílio às autoridades policiais e órgãos de combate à intolerância no acolhimento de potenciais vítimas e na apuração e investigação das denúncias de racismo ou violência nos estabelecimentos descritos nessa Lei e suas dependências, incluindo: eficiência no auxílio da coleta de provas; facilitação da identificação de potenciais testemunhas; e determinação do acesso das autoridades policiais, das vítimas e seus representantes às imagens de câmeras de segurança ou outros meios de identificação dos suspeitos.

 

Art. 7º. Os estabelecimentos deverão elaborar um Plano de Ação Antirracista, contendo as medidas específicas que serão adotadas para implementar o Protocolo Municipal Antirracista, bem como os prazos para sua execução.

 

Art. 8º. Caberá ao Poder Executivo Municipal regulamentar, fiscalizar e estabelecer sanções às pessoas físicas e estabelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo que não cumprirem os procedimentos previstos nesta Lei.

 

Art. 9º. As despesas decorrentes da implementação desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

 

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Sala das Sessões, 14 de agosto de 2023. Às Comissões competentes.”

 

“Justificativa

 

A sociedade brasileira é profundamente racista e caracterizada por uma desigualdade racial enraizada em sua cultura e instituições. A história do Brasil é marcada por quase quatro séculos de escravidão que há pouco mais de 100 anos deixou de existir formalmente, sem ser acompanhada de direitos e políticas para a população negra. Apesar de alguns avanços, o racismo estrutural ainda persiste. Nesse sentido, ações para combater o preconceito e a desigualdade racial são urgentes para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.

O município de São Paulo tem aproximadamente 37% de negros (pretos e pardos) autodeclarados em sua população. Na medida em que é uma das cidades mais populosas e diversas do Brasil, além de um importante polo econômico e cultural, é fundamental que se promova por meio de iniciativas como este projeto de lei a equidade racial e o combate ao racismo em todas as suas formas. A criação e implementação de um Protocolo Municipal Antirracista para estabelecimentos com grande circulação de pessoas é central para enfrentar um desafio dessa magnitude, ainda mais em um contexto como o do Brasil no qual que se difunde o “mito da democracia racial”, negando-se a existência do racismo e afirmando-se a falácia de que todos são iguais.

O Protocolo aqui proposto tem como objetivo mais geral promover a equidade racial, combater o racismo e garantir um ambiente inclusivo e respeito a todos nos estabelecimentos com grande circulação de pessoas na cidade de São Paulo. Ele busca sensibilizar as pessoas sobre a existência do racismo, seus impactos na vida das pessoas negras e sobre a relevância de combater esse mal que aflige nossa sociedade. Assim, busca conscientizar tanto os frequentadores quanto os funcionários de tais estabelecimentos sobre a necessidade de um ambiente livre de discriminação racial.

O Protocolo estabelece diretrizes para a prevenção e combate ao racismo nos estabelecimentos com grande circulação de pessoas, tais como escolas, hospitais, universidades, órgãos públicos, grandes estabelecimentos comerciais, grandes estabelecimentos de lazer, entre outros, incluindo uma série de ações para identificar e lidar com casos de racismo em suas dependências. As ações nele contidas têm como objetivo capacitar os funcionários, educar a população, criar mecanismos de denúncia, promover representatividade e realizar medidas de conscientização contra o racismo.

Diante do racismo e desigualdade racial no Brasil, mazelas tão graves e antigas de nossa sociedade, e da importância e urgência para que coletivamente as solucionemos, é proposto esse projeto de lei. Sua aprovação representa um passo importante para a construção de uma cidade de São Paulo antirracista, com a realização dos direitos de pessoas negras e uma sociedade mais justa e igualitária.”

 

Publicado no DOC de 16/08/2023 – p. 320

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