Clube de Leitura

O Clube de Leitura do CFCL-SINESP, sob a coordenação dos professores Jean Siqueira e Marcos Maurício, se reuniu de forma virtual na sexta-feira, 23 de setembro, para debater o livro As mentiras que os homens contam, do escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo.

Humor inteligente a serviço dos comportamentos cotidianos

 Ao longo de anos de Clube de Leitura, poucas foram as vezes em que o livro selecionado para a discussão se encaixou no gênero da comédia, mas na última sexta-feira foi exatamente esse tipo de obra que proporcionou uma tarde muito divertida, de compartilhamento de experiências de leitura.

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Em As mentiras que os homens contam, o renomado Luís Fernando Veríssimo apresenta para o público uma série de breves textos que retratam situações cotidianas, atravessadas por bom humor e por críticas aos costumes. Com esse título, é claro que a maior parte das histórias que compõem o trabalho lida com o tema da mentira, mas não apenas as costumeiramente ditas pelos homens às mulheres em relações passionais, mas também pelos humanos em geral em diversos outros contextos.

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No início do evento, o professor Jean Siqueira fez uma breve introdução à biografia do autor, com destaque para a rica produção artística, não apenas literária, mas também musical, já que Veríssimo foi por anos saxofonista em uma banda de jazz e bossa-nova chamada “Jazz 6”. Em virtude dessa faceta do célebre escritor, um vídeo com uma apresentação da Jazz 6 ao vivo foi exibido, o que certamente contribuiu para tornar a tarde de debate ainda mais agradável. Após o momento musical, Jean destacou que, ao longo de As mentiras que os homens contam, livro lançado em 2001, era possível identificar a presença tanto de contos quanto de crônicas, bem como de textos oscilando entre os dois gêneros. “Trata-se de um livro sem maiores desafios interpretativos para o leitor, que não lança mão de grande sofisticação em termos de recursos narrativos, enfim, um trabalho cujo objetivo maior é simplesmente entreter o leitor e levá-lo ao riso”, afirmou.

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Por falar em riso, a filiada Maria Cinto não conteve o seu ao relembrar a história de Grande Edgar: enquanto fazia seus comentários, mal conseguiu terminá-los sem ser tomada por gargalhadas que contagiaram todo mundo que participava do encontro. Teve, literalmente, quem chorou de rir. Grande Edgar traz a situação absolutamente comum de uma pessoa que é confundida com outra, supostamente antiga conhecida, e que, em vez de alertar para o engano, por não ter certeza do que se trata, age como se realmente fosse uma antiga conhecida. “Quem nunca?”, observou acertadamente a Dirigente Sindical Alcina Carvalho.

Fábrica de risos

Muitos comentários durante as trocas de ideias foram no sentido de destacar que a efetividade dos relatos de Veríssimo vinha exatamente de sua habilidade para despertar o riso a partir das situações mais cotidianas, de experiências quase universais – algo característico dos grandes nomes da crônica. Mais especificamente, a filiada Mara Zago ressaltou a importância da sátira como ferramenta de crítica social, pontuando que Veríssimo empregava de maneira muito bem-sucedida seu humor nesse sentido. E ainda sobre as virtudes da escrita do autor, Marta Held sublinhou a prosa fluída, dinâmica, capaz de transitar entre temas e estilos com muita destreza.

Quem também relatou ter se divertido muito com as histórias de Veríssimo, em especial com o conto O verdadeiro José, foi a filiada Fátima. Para ela, o tema da duplicidade de identidade do personagem principal e do encontro de suas duas esposas em seu funeral rendeu muitas risadas. Também sobre um funeral inusitado, o texto Exéquias foi lembrando.

Solidão e vazio existencial silenciam o riso por alguns momentos

Apesar da inegável capacidade de fazer rir, tanto Alcina quanto Jean apontaram para a existência de dois textos “tristes” em sua ideia principal, apesar de uma ou outra linha irônica ou satírica nesses contos: O falcão e O encontro. Para ambos, essas duas narrativas apresentavam personagens imersos em solidão e vazio existencial que, apesar de brevemente descritos, apresentavam grande profundidade e riqueza psicológica.

Em outro momento, Alcina colocou em pauta o tema da mentira, algo que, segundo ela, mais do que ocasião para a construção de histórias engraçadas por parte do autor, era um tema explorado com muita riqueza antropológica por ele. Nesse sentido, extraiu dos diversos textos da coletânea uma questão a respeito da validade social da mentira, isto é, da mentira como um elemento fundamental da organização e manutenção da vida social – por exemplo, ao explorar ideias presentes no conto A verdade. Ao comentar a fala de Alcina, o professor Jean lembrou que em uma obra do jovem Nietzsche chamada Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, o filósofo alemão explorava exatamente esse tipo de discussão, ao considerar o papel do intelecto humano como vinculado à função de disfarce, e a mentira e o engodo como práticas eminentemente humanas e opostas a um inconcebível impulso natural à verdade (que só surgiria entre os homens como meio de superação de uma condição social de “guerra de todos contra todos”). “Filosofamos, hein”, alguém disse. Será?

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Tal pai, tal filho? Textos do autor diferem muito das obras do pai famoso

Ao solicitar a palavra, Maria de Lurdes chamou a atenção para a enorme diferença de produção literária entre Luís Fernando Veríssimo e seu pai, Érico Veríssimo. Nesse sentido, levantou a questão de o que poderia ter levado o filho a trilhar, apesar da influência do pai em suas escolhas profissionais, estilos narrativos tão diferentes da prosa séria e dramática - às vezes fantástica - do autor de Olhai os lírios do campo e Incidente em Antares. A esse respeito, o professor Marcos Maurício observou que muitas vezes herdeiros de pessoas famosas, que acabam seguindo a profissão dos pais, buscam afirmar sua identidade profissional trilhando caminhos diferentes em sua atividade (como exemplo, mencionou o caso do filho de Pelé, Edinho, que se tornou goleiro). Quer isso seja assim ou não, não deixa de ser curiosa a comparação entre a letra e o espírito das obras do Veríssimo pai e as do Veríssimo filho.

Ângela Figueredo confessou que Luís Fernando Veríssimo é um de seus autores favoritos, inclusive recomendando a leitura do conto Regininha ou os três dias do condor, presente em outra coletânea de breves textos do escritor, O melhor da comédia da vida privada. Contou que por diversas vezes em seus trabalhos de formação educacional trabalhou com esse texto em leituras em voz alta e que apreciava muito a maneira como Veríssimo tecia críticas sutis às visões machistas acerca da mulher. Por fim, relatou que muito de seu apreço pelo autor vem da sua capacidade de pinçar pequenos eventos do dia a dia para deles extrair características que falam diretamente a qualquer um que leia sua prosa.

Texto de Luís Fernando Veríssimo é perfeito para a dramaturgia

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Por fim, o professor Marcos mostrou como o texto de Veríssimo era propício para a adaptação dramática, isto é, como suas histórias pareciam quase prontas para serem usadas na dramaturgia, televisiva ou não. Não por acaso, diversos de seus textos foram adaptados para os palcos e para as câmeras. Assim, Marcos trouxe fragmentos de alguns contos de As mentiras que os homens contam e depois mostrou como eles foram incorporados aos esquetes do programa A comédia da vida privada, veiculado pela Rede Globo a partir do ano de 1994, de onde selecionou exatamente as cenas correspondentes aos trechos que tinha lido. Rever esses quadros hilários, soberbamente interpretados pelos jovens Marco Nanini, Tony Ramos, Débora Bloch, Fernanda Torres e Paulo Betti, foi mais um momento especial do dia.

Sendo um texto leve e sem grandes complexidades estruturais ou estilísticas, o encontro acabou mais cedo do que de costume. Talvez porque alguém já estivesse com o abdômen dolorido depois de muitas risadas. Seja na densidade do drama ou na leveza da comédia, o fato é que a arte nos eleva e nos ajuda a enfrentar nossos pesadelos. E temos um aí, bem grande, diante de nós. Esperamos que até o próximo encontro do “Clube de Leitura” ele já tenha começado a se dissipar.

Esperamos vocês em nosso próximo encontro!

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