As Vantagens de Ser Invisível

O Cine Debate de setembro do CFCL-SINESP debateu o filme As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky. Aproximadamente 30 filiados discutiram com os debatedores, professores Jean Siqueira e Marcos Maurício Alves, as tramas e os detalhes dessa obra tão instigante.

Setembro Amarelo inspira escolha de longa com tema complexo

O filme conta a história de Charlie (Logan Lerman), um jovem de 15 anos que acaba de entrar no Ensino Médio. Deslocado, recém-saído de uma dura depressão, busca reencontrar-se na nova escola, depois de perder seu melhor (e único) amigo, que se suicidou pouco tempo antes “sem ao menos deixar um bilhete”. Charlie, então, encontra em Patrick (Erza Miller) e Sam (Emma Watson) novos amigos, fazendo desses laços um pequeno porto seguro frente aos desafios da vida. Dramas adolescentes, bullying, drogas, amores contrariados e uma boa dose de sutilezas e sensibilidade marcam esta adaptação literária que rendeu intensas reflexões no Cine Debate.

Logo no começo das discussões, os debatedores Marcos e Jean explicaram o porquê da escolha do filme para este mês. Setembro foi o mês escolhido pela OMS para as reflexões sobre o a prevenção ao suicídio. Marcos informou que em 2022 o lema da campanha da OMS é “A vida é a melhor escolha!”. Além disso, explicou como nasceu a campanha do “Setembro Amarelo” e do uso da fita amarela como símbolo. Marcos ainda apresentou dados sobre o suicídio no Brasil e no mundo, mostrando como essa prática é uma das maiores causas de mortes de jovens no planeta. Uma triste realidade que cresce de maneira significativa em muitos países. Por todos estes motivos, pareceu importante discutir o tema no Cine Debate deste mês, mas trazendo um filme que promovesse a reflexão sobre o assunto sem ser desnecessariamente impactante – já que se trata de um tema bastante sensível.

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Filiados elogiam escolha certeira de filme para debater suicídio e depressão

 Segundo os presentes na discussão, a escolha foi acertada. Maria Lucia José, a Malu, chegou a afirmar que o filme era uma referência muito boa para as discussões acerca da depressão e do suicídio, justamente por lidar com um tema tão complicado de uma maneira respeitosa, jamais gráfica ou explícita, revelando grande cuidado e sutileza na articulação da narrativa a partir dessas temáticas

O longa As vantagens de ser invisível é uma obra adaptada de um romance homônimo. E, assim como em outros filmes já discutidos anteriormente no Cine Debate que tinham roteiros adaptados, o professor Marcos trouxe semelhanças e diferenças entre a obra cinematográfica e a literária. Marcos chamou a atenção para o fato de o livro, o roteiro e a direção do filme serem do mesmo autor. Stephen Chbosky escreveu o livro The perks of being a wallflower em 1999 e ele mesmo fez o roteiro e dirigiu o longa que foi para o cinema em 2012. Marcos acentuou a importância de perceber que obras literárias e obras cinematográficas são gêneros muito diferentes. Assim sendo, mesmo quando o autor de uma adaptação é o próprio autor da obra original, importantes mudanças são percebidas entre um texto e outro. O romance escrito por Chbosky (um romance epistolar) apresentava, segundo Marcos, temas ainda mais duros e dramáticos do que os exibidos no filme (por exemplo, casos de estupro e de aborto). Marcos também leu alguns trechos do livro que apresentavam diferenças marcantes com relação ao filme e, além disso, apontou diversas vezes ao longo do debate passagens bastante informativas sobre o enredo e as personagens que não apareciam na adaptação para as telas.

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Na sequência das trocas de interpretações e comentários, alguns pontos de destaque foram quase unânimes. Um deles foi a percepção do papel do diretor-autor de As vantagens de ser invisível quase como o de um educador atento e humanista, capaz de lidar com temas difíceis sem se omitir de mostrar sua visão, sempre reflexiva e construtiva. Outro foi sua capacidade narrativa – visual e literária – de mostrar o caminho de enlaces e desenlaces sem jamais descuidar da coesão e do apelo ao envolvimento de sua audiência com suas personagens e seus conflitos (e isso apesar de não ser um diretor com muitas obras no currículo).

Filme destaca importância de professores no suporte a adolescentes em crise

Também recebeu atenção o personagem do professor Bill Anderson (Paul Rudd), visto como alguém acolhedor e incentivador, características de maneira justificada associadas ao bom educador. Maria Cinto foi a primeira a expor essa virtude acolhedora revelada pelo Sr. Anderson ao ressaltar como ele rapidamente percebeu a singularidade de Charlie, isso é, a maneira como este se sentia estranho, diferente, deslocado, e, a partir daí, passou a incentivá-lo a se expressar e a se encontrar naquilo que aparentemente mais gostava de fazer, que era ler e escrever.

Malu chamou a atenção para algumas frases marcantes do filme, uma delas justamente do professor Anderson, que, ao ser indagado por Charlie por qual razão pessoas boas se envolviam afetivamente com pessoas que não as mereciam: “Aceitamos o amor que achamos merecer”. Outra frase que não passou despercebida por Malu foi “Você vê as coisas e as entende”, dita por Patrick a Charlie ao, explicitamente, integrá-lo ao seu grupo de amigos mais próximos – e pouco depois de Charlie ter se comprometido a guardar um segredo importante para Patrick. A última frase destacada por Malu foi: “É tanto sofrimento e eu não sei como ignorar”; segundo ela, esta linha, dita por Charlie, revelava como sua personalidade era extremante empática. Outro aspecto trazido à tona por Malu – que foi consenso no debate – são as referências literárias e musicais.

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Qual a importância de uma amizade? Como os traumas infantis ficam na mente das crianças e adolescentes? Quão importante é um serviço especializado para os casos em que a saúde mental das pessoas se torna uma questão? Foram algumas das perguntas que a Dirigente Sindical Alcina Carvalho foi respondendo na tecelagem de suas análises. Ao sermos confidentes de Charlie enquanto acompanhamos suas cartas a um leitor anônimo (seríamos nós, os espectadores, os destinatários desses textos?) somos tocados por suas questões, por seus problemas e conflitos e acabamos refletindo sobre cada um deles. Para Alcina, As vantagens de ser invisível é um filme com personagens densos e complexos, que vão sendo mostrados aos poucos, intensificando o envolvimento da audiência com suas vidas e dilemas pessoais. Charlie tem uma séria dificuldade em se relacionar com os demais e o público vai descobrindo a conta-gotas seus traumas e conflitos. “Ele se sente invisível, mas quer sair desse espaço”, disse Alcina. Outro ponto fundamental levantado por ela, foi a questão da violência sexual contra meninos perpetrada por mulheres. Nesse momento da discussão, diversas pessoas apontaram para o fato de a ausência de discussões e informação sobre o tema gerarem preconceitos a respeito do trabalho masculino em escolas infantis.

Para Elizabeth Castellao, a Beth, o autor do texto (livro e roteiro) fez um excelente trabalho ao explorar aspectos da constituição do ser adolescente. Segundo ela, a existência de um professor interessado, de amigos capazes de partilharem suas experiências e compartilharem um mundo comum, foram elementos decisivos para a construção de si, da redescoberta de si, na qual Charlie estava imerso. Essas pessoas o ajudaram muito em seu processo de vir a ser após os traumas causados pela perda de sua tia Helen, e das memórias de sua relação com ela, e de seu amigo suicida Michael: “são pessoas que vão repondo novas referências para ele”, disse ela. Esse é um grande mérito do filme, segundo Beth, arrolar todas essas pessoas diferentes buscando encontrar o melhor umas das outras. Afirmou, ainda, que o fato de ser coordenadora pedagógica a fez interpretar o filme como o resultando de um olhar também voltado para a educação.

Nessa mesma linha de raciocínio, Marta Held também viu o longa como “uma grande poesia” capaz de educar seus espectadores de maneira única. “Estar rodeado de amigos é se sentir infinito”, disse Marta, parafraseando outra marcante frase dita por Charlie. Para ela, o filme de Chbosky foge de estereótipos de filmes juvenis e, além disso, enfatiza o valor das amizades como uma importante “rede de proteção” em torno de nossas vidas e diante do imponderável, que sempre pode se apresentar em algum momento.

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Raquel Acosta relatou que, para ela, o filme trouxe muitos elementos importantes. “Como dói saber que a adolescência é assim, dura”, disse Raquel ao refletir sobre o que foi apresentado no filme. Mas o que mais lhe tocava, confidenciou, eram as questões do mundo real relacionadas às temáticas do longa e o modo como a obra apresentou tais questões de maneira tão intensa. Segundo ela, hoje é cada vez mais comum ouvir relatos de pessoas que, depois de muitos anos, conseguem verbalizar (ou até mesmo descobrir) que foram assediadas na infância ou adolescência. Além disso, reiterou, a partir de algumas cenas do filme, a importância de se atentar aos sinais que um possível suicida pode ir deixando pelo caminho. “É necessário prestar atenção nas pessoas”, disse, e o filme ilumina esse ponto.

Para exemplificar a importância das “redes de proteção”, ideia mencionada diversas vezes ao longo do debate, Eliane Cunha, a Lia, emocionou a todos os presentes com o relato que fez. Para ela, falar abertamente sobre problemas pessoais com alguém é fundamental, principalmente a partilha entre “os pares”, entre pessoas que vivenciam experiências e mundos análogos, pois neste caso há uma relação mais horizontal. Para ela, Patrick se mostrou um dos personagens mais incríveis do filme, pois embora também tivesse vários problemas pessoais conseguia levar as coisas com humor, ajudando, graças a esse traço de sua personalidade, a amenizar as dificuldades vividas pelos amigos e amigas em seu entorno. E Lia, como de costume, se mostrou incrível em sua partilha com as pessoas presentes, tal como Patrick.   

Tradução do filme e trilha sonora chamam a atenção em debate

Para fechar o encontro, o professor Jean Siqueira analisou dois pontos importantes do filme: o título da obra e a trilha sonora. E também trouxe uma cena para análise com vista a mostrar o consistente trabalho de cinematografia do diretor.

Sobre o título, Jean observou que a tradução para o português, que verte “invisível” para corresponder à palavra inglesa “wallflower”, deixa de capturar algo importante que está implicado nesta, além de confundir o intérprete que se debruça sobre o termo “invisível”. “Wallflower”, literalmente, seria “flor de muro”, ou seja, “aquilo que está fora do lugar, que não está no seu lugar habitual”, “algo que está à margem, que não é o comum”. Marcos contribuiu com essa discussão ao informar que duas traduções para a língua espanhola, uma na Espanha e outra nos países latino-americanos, traziam, respectivamente, Las ventajas de ser un marginado, talvez uma forma mais próxima ao original, e a outra usando “invisible”. Uma tradução mais próxima, segundo Jean, seria “As vantagens de estar à margem”. Sendo o título importante em qualquer análise textual, Jean buscou no filme o uso da expressão “wallflower e ela aparece uma única vez, justamente quando Patrick, ao integrar Charlie ao grupo, lhe diz que a partir dali ele era um “wallflower, ou seja, alguém como ele próprio, Sam e seu grupo, que também eram jovens fora dos padrões. Ideia bem diferente de ser “invisível”, que sugere que ninguém lhe vê. Daí, as vantagens de ser um “wallflower”: Charlie passa a ter amigos únicos, verdadeiros, próximos o suficiente para ampará-lo quando necessário – o que, num mundo de “relações líquidas”, como diria o sociólogo Zigmunt Baumann, é uma vantagem considerável. Na legendagem do filme, destacou Jean, infelizmente a palavra “wallflower” nessa cena marcante passa batida. Aliás, segundo o professor, o trabalho de legendagem disponível na plataforma recomendada para acesso ao filme em vários momentos se mostra bastante precário – por exemplo, ao traduzir a icônica frase de Charlie “I’m infinite” por “Eu me sinto feliz”.   

Em seguida, Jean passou a uma análise de aspectos da trilha sonora, sublinhando que quase todas as músicas da trilha sonora não original ocorreram em contextos diegéticos, isto é, ouvidas não apenas pela audiência, mas pelos próprios personagens. A trilha sonora original, composta por Michael Brook, por sua vez, se deu de maneira completamente extra-diegética. Jean destacou a ligação entre os versos dessas músicas diegéticas e o momento narrativo em que elas foram apresentadas aos espectadores, procurando mostrar o cuidado do autor na escolha dessas canções – com destaque para as letras de “Could it be another change”, da banda The Samples, “Asleep”, da banda The Smiths e, claro, a música “Heroes”, de David Bowie.

E como amostra do excelente trabalho de linguagem visual empregado pelo diretor Stephen Chbosky, Jean exibiu e analisou os planos da cena em que Charlie surta após ter suas memórias desencadeadas por conta de uma interação de caráter sexual com Sam, que estabeleceu um paralelo entre esta e sua tia Helen, sua abusadora quando criança. O trabalho de Chbosky nas decisões acerca da montagem e da angulação de seus planos complementam a narrativa de maneira muito rica, proporcionando uma experiência única da condição psíquica de Charlie.

Ficou para os filiados presentes o veredito de que o filme é resultado de uma direção e de um roteiro sutis e precisos, de que seus atores esbanjam qualidades dramáticas e de que a trilha sonora é um capítulo à parte desta grande obra. Assim, um filme que poderia ser só mais um romance adolescente se mostra uma obra profunda e tocante, mas, ao mesmo tempo, simples e facilmente assimilável em suas mensagens. Para todas e todos ficou a sensação de um filme que acalanta, de que mesmo sob as sombras, sempre há um esperançar.

Até o próximo Cine Debate!

CVV é ajuda valiosa a quem passa por momentos de fragilidade emocional

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Por fim, caso precise, ou conheça alguém que precisa de ajuda em momentos de dificuldade existencial, entre em contato com o CVV – Centro de Valorização da Vida pelo telefone 188 que funciona 24h por dia. Além disso, para saber mais sobre a campanha do “Setembro Amarelo” entre no site www.setembroamarelo.com.

A vida é a melhor escolha!

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