PROJETO DE LEI 01-00441/2020 do Vereador Antonio Donato (PT)

 

“Dispõe sobre autorização ao Executivo para suspensão do ano letivo na rede municipal de educação durante o segundo semestre de 2020, para promover e implementar todas as medidas necessárias para garantia do retorno da comunidade escolar com segurança, em decorrência da pandemia de COVID-19 a partir de fevereiro de 2021 e dá outras providências.

 

A CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO DECRETA:

 

Art. 1º. Em decorrência da pandemia internacional de coronavírus, fica autorizado ao Executivo manter a suspensão das atividades da rede municipal de educação durante o segundo semestre de 2020 para a realização de todas as medidas necessárias à garantia de segurança sanitária e proteção da vida da comunidade escolar.

Parágrafo único. O período de suspensão das atividades educacionais presenciais, prevista no caput, deverá ser reorganizado para ser exercido nos anos de 2021 e 2022, considerando as interações realizadas com familiares e alunos de forma remota no ano de 2020, em conjunto com as atividades próprias do calendário letivo dos anos citados e os conteúdos pedagógicos não adquiridos virtualmente, compensados na repactuação do calendário escolar do biênio 2021-2022, excetuando-se dessa obrigatoriedade as crianças da Educação Infantil;

 

Art. 2º. Durante o período de suspensão previsto nesta lei, deverão ser adotadas as medidas preparatórias e protetivas das unidades escolares da rede municipal para recepção dos professores, alunos, pais e comunidade, com a necessária segurança observando o afastamento dos profissionais e crianças de comorbidades.

Parágrafo único. As adequações serão orientadas pelas Secretarias Municipais de Saúde, Educação e órgãos competentes da Administração.

 

Art. 3º. As medidas de preparação para o retorno das atividades nas unidades escolares deverão ser de natureza administrativa, estrutural, pedagógica, e envolverão, ainda, os prestadores de serviços à rede direta.

 

Art. 4º. As unidades de Educação Infantil do município, que compreende os CEIs, CEMEIs e EMEIs, deverão dispor de profissionais técnicos de enfermagem, cujas jornadas deverão contemplar todo o período de permanência dos alunos nas respectivas unidades escolares;

 

Art. 5º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, cabendo ao Poder Executivo regulamentá-la e promover todas as medidas administrativas necessárias à sua implementação.

 

Art. 6º. Ficam revogadas as disposições em contrário.

 

Art. 7º. As despesas decorrentes com a implantação desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias, suplementadas se necessário.

 

Sala das Sessões, às Comissões competentes.”

 

“JUSTIFICATIVA

A presente propositura tem por objetivo manter a suspensão das atividades escolares durante o segundo semestre do ano letivo de 2020 na rede municipal de ensino de modo a permitir a efetiva adequação das unidades escolares para a recepção dos profissionais de Educação e de apoio, alunos, pais e membros da comunidade a partir do início do ano letivo de 2021.

Considerando o alto índice de contágio do vírus SARS-CoV-2, originador da COVID-19, que deflagrou a maior pandemia internacional deste século, sendo que, conforme dados da Universidade Johns Hopkins¹, ratificados pela Organização Mundial de Saúde, até a data de 08 de julho de 2020,  foram confirmados 11.500.302 (onze milhões, quinhentos mil, trezentos e dois) casos de COVID-19 e um número total de mortes de 535.759 (quinhentos e trinta e cinco mil, setecentos e cinquenta e nove) pessoas;

Considerando que somente no Brasil já foram somadas, até a data de 10 de julho de 2020, número total de 1.603.055 (um milhão, seiscentos e três mil e cinquenta e cinco) pessoas contaminadas, e 70.000 óbitos, sendo que o Estado de São Paulo é o que contabiliza o maior número de mortes, e a Capital do Estado a região mais crítica, com maior número de casos, sem mencionar os casos de subnotificações, que podem exponenciar o número de infectados e óbitos com aponta inquérito sanitário realizado pelo nosso município no mês de junho;

Considerando que as medidas preventivas ao contágio, cientificamente reconhecidas, são a lavagem frequente de mãos com água corrente e sabão ou higienização com álcool 70% em gel; utilização de proteção na boca e nariz com máscara, bem como distanciamento social adequado de, no mínimo, 1,5 metro;

Considerando a realidade física das unidades escolares que não dispõem de estrutura adequada para oferecer segurança sanitária e nem, tampouco, estrutural para a retomada das aulas segura para bebês, crianças, profissionais de educação e familiares, ainda que de forma parcial;

Considerando a necessidade de tempo e recursos financeiros para a imprescindível adequação estrutural das unidades escolares para aquisição de itens essenciais de segurança, tais como, materiais de higiene, termômetros, máscaras, luvas, produtos sanitários, modificação de entradas e saídas, instalações de pias nas entradas de todas as escolas, reorganização de mobiliário, ambiente adequado para depósito dos calçados (sapateiras), equipamentos para sanitização e higiene de produtos, matérias pedagógicos, brinquedos e roupas e orientação para implementação dos novos protocolos por professores e demais funcionários;

Considerando a necessidade de reorganização interna de todo o sistema educacional e no âmbito das unidades escolares de educação infantil ainda com maior ênfase, Considerando a necessidade de cursos de aperfeiçoamento de todos os profissionais de educação com interface com temas relacionados a pandemia bem como o acolhimento emocional de toda comunidade escolar;

Considerando recente estudo, dirigido pelo Professor Dr. Fábio Carmona, do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, citou em matéria publicada no jornal da USP, de 3 de junho de 2020, que crianças com até 5 anos são mais suscetíveis aos efeitos nefastos da COVID-19, que pode acarretar síndrome respiratória aguda grave, mas também afetar o sistema neurológico e circulatório e observando as considerações feitas pelo Ministério da Saúde no início do mês de abril quando inclui no grupo de risco gestantes, puérperas e crianças até 5 anos de idade².

Considerando que, de acordo com resultado de pesquisa dirigidas para apurar o grau de contágio entre crianças, uma classe com 20 alunos resulta em 808 (oitocentos e oito) contatos cruzados em dois dias, segundo os cálculos matemáticos feitos por especialistas em planejamento da Universidade de Granada, na Espanha. A estimativa para o terceiro dia está em torno de 15.000 (quinze mil) contatos. A contaminação de um aluno dessa classe oferece um risco para todo o grupo³;

Considerando estudo4, coordenado pelas Professoras Maria Malta Campos, Aidê Almeida, Sonia Larrubia Valverde, Rita Coelho, e com orientação de outros especialistas em Educação Infantil e Saúde Pública, publicado em maio/2020, intitulado “Para um retorno à escola e a creche que respeite os direitos fundamentais de crianças, famílias e educadores”, dispõe sobre orientações específicas e adequação que irão demandar o tempo mínimo do segundo semestre de 2020 para a implementação, com utilização de consideráveis recursos econômicos para uma adaptação eficaz, uma vez que são essenciais para garantia de medidas com base em planejamento fundamentado nos direitos humanos das crianças, educadores e famílias.

Considerando estudo coordenado pelo Professor Dr. Eduardo Alexandrino Servolo de Almeida, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, pesquisador e Professor Livre-Docente da UNIFESP, o qual fundamenta a Minuta de Protocolo de Retorno às Aulas publicado pela própria Secretaria Municipal de Educação, o retorno seguro às aulas demanda diversas adequações físicas e estruturais escolares de toda a rede municipal, impondo não somente nova metodologia de orientação e educação dos professores, reavaliação dos procedimentos profissionais no âmbito das unidades para profissionais e funcionários contratados, bem como novas diretrizes para reeducação e adaptação para alunos, pais e membros da comunidade, as quais demandam todo o período de tempo abrangido pelo segundo semestre de 2020, bem como recursos financeiros para as adequações.

E, por fim, considerando que o ambiente escolar congrega alunos egressos de diversos lares, de todas as regiões do extenso município de São Paulo e até fora do mesmo, tornando-se, em muitos casos, “vetores” assintomáticos da COVID-19, é grave o risco de propagação da doença no processo de retomada das aulas;

Ocorre que a previsão de retomada gradual das atividades educacionais, as quais, salvo novas alterações nos níveis de contágio, estão designadas para início em 08 de setembro de 2020, sem que haja o mínimo preparo das unidades escolares, sem a correta preparação dos profissionais da Educação para lidar com todos os riscos decorrentes da inevitável ressocialização. Importante enfatizar que para a retomada das aulas presenciais ações fundamentais deverão ser tomadas pela Municipalidade, tais como processos de adequações físicas das unidades escolares: adaptações para livre ventilação de todos os ambientes; adaptações nos layouts das salas de aula para permitir o distanciamento mínimo, adaptações nos refeitórios e nos espaços comuns da escola; revitalização de sanitários; vistorias das redes de água e esgoto; aquisição de produtos de limpeza; aquisição e disponibilização de álcool em gel e mascaras para estudantes e funcionários; medidores de temperaturas; treinamento de professores e funcionários para o enfrentamento da nova situação, além das providências já mencionadas supra, entre diversas outras adequações.

São de amplo conhecimento as experiências similares de retomada de aulas em países que já passaram pelo mesmo estágio da pandemia em que estamos, como Itália, França, Portugal, Espanha, demonstraram que a retomada sem o devido preparo impôs nova onda de contágios e retrocesso no processo de liberação. Há de se observar que esses países contam com estruturas nas unidades educacionais muito mais adequadas para o ensino com uma proporção aluno educador de 3 a 4 vezes inferior a realidade da rede de educação de nosso município.

A própria Secretaria Municipal de Educação disponibilizou, em julho/2020, “Protocolo de Volta às Aulas”, identificado através do Código de Memória Documental: SME 132/2020, no qual elenca providências técnicas de diversas naturezas para a implementação de retorno seguro às aulas presenciais na rede de educação pública.

Entretanto, não obstante o detalhamento explicitado no documento, não contemplam com integralidade as adequações físicas e estruturais mínimas necessárias para prover a segurança dos profissionais e alunos das unidades, conforme se demonstra nesta justificativa. Tais adaptações imprescindíveis demandam tempo e recursos para implementação, sob pena de um retorno açodado e absolutamente inseguro, não somente para os frequentadores do ambiente escolar, como para toda a população do município.

Nas próprias unidades de Educação Infantil demonstra-se imprescindível a contratação de profissionais de Enfermagem para atender aos alunos, ante a peculiaridade do trabalho com crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos e o padrão comportamental das crianças, para o fim de monitoração permanente das condições de saúde dos menores e de todos profissionais da unidade o que requer abertura de concurso para a contratação desses profissionais.

Todas as medidas e adequações que são imprescindíveis de serem realizadas no sistema da rede municipal de educação, no âmbito das unidades escolares, demanda tempo para implementação segura, o que impõe a necessária extensão da suspensão das aulas durante o segundo semestre do ano de 2020.

Insta registrar que a cidade de São Paulo ainda não atingiu um estágio da curva que indica tranquilidade para os próximos meses principalmente na faixa etária de toda a educação infantil, na voz majoritária dos especialistas, a retomada da normalidade das atividades deve ser muito cautelosa e somente em áreas que se possa adotar, protocolos mais rígidos e os mesmos assimilados por seus usuários. Especialistas em epidemiologia, afirmam que a suspensão das aulas foi e tem sido a garantia de uma menor contaminação e menor número de mortes devido a não circulação de milhões de pessoas no dia a dia da cidade.

Em virtude da preocupação sanitária atualmente existente, foi determinado, em decisão recente, o adiamento das eleições para o final de novembro para evitar o aumento do contágio, o trabalho remoto do Judiciário e vários outros órgãos públicos, sendo portando razoável e sensato a implementação da suspensão do ano letivo prevista na presente proposta.

A data prevista para setembro não possibilitará a reparação dos danos causados por todos esses meses de pandemia.

O último trimestre escolar é particularmente atípico sendo que, devido à proximidade das férias escolares, os últimos meses do ano, são dedicados às avaliações e eventos comemorativos que fazem parte do processo de aprendizagem.

Portanto, considerando a ausência de segurança sanitária que ainda estará em curso devido à falta de vacina, impossível retornar para cumprir apenas 3 (três) meses finais do ano letivo, impondo sérios riscos, desnecessários a comunidade escolar.

Por todo o exposto, apresentamos o presente Projeto e contamos com os nobres pares para seu acolhimento, prosseguimento e aprovação.

___________

1 Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/data/mortality

2 Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/criancas-abaixo-dos-cinco-anos-e-gestantes-sao-suscetiveis-a-covid-19/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=criancas-abaixo-dos-cinco-anos-e-gestantes-sao-suscetiveis-a-covid-19

3 Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-06-17/colocar-20-criancas-numa-sala-de-aula-implica-em-808-contatos-cruzados-em-dois-dias-alerta-universidade.html

4 Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/images/para_um_retorno_a_escola_e_a_creche-2.pdf

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1. Os agrupamentos, no Brasil, caracterizam-se por números elevados de crianças (entre 18 e 35 crianças por turma);

2. A razão adulto x crianças também atende a números consideráveis: em média 8 crianças de zero e um ano; 15 crianças de dois e três anos; 20 crianças de 4 e 5 anos por adulto. Em muitos casos, a partir dos três anos há a presença de apenas um adulto em cada agrupamento;

3. O número de crianças por instituição também é bastante elevado, o que impacta não apenas na organização dos agrupamentos, mas de todos os demais ambientes da instituição (inclusive, os pátios externos);

4. As jornadas das crianças nas instituições educativas são extensas, podendo durar até 12 horas diárias, quando ocorrem em turno integral;

5. Os prédios escolares e as creches brasileiras caracterizam-se por oferecer salas de pequenas dimensões, sem ventilação adequada, em casas adaptadas e prédios que não foram construídos para tal finalidade. Mesmo aqueles edifícios construídos com a finalidade de atender bebês e crianças, em geral apresentam espaços pequenos e sem salas de apoio para o sono, refeições e trocas, por exemplo;

6. Uma parte importante do funcionamento das creches e pré-escolas trata da alimentação e dos cuidados de higiene e de momentos de descanso e sono das crianças pequenas. Embora o ideal fosse a existência de espaços 5 apropriados para essas atividades, em muitas instituições brasileiras o trocador fica no mesmo ambiente da sala de referência da turma; os refeitórios são pequenos e, durante um período da jornada, há rodízios de turmas sem tempo de intervalo para higienização desses locais; os banheiros e pias, muitas vezes, ficam distantes e, nas mesmas salas de referência das turmas (que vale destacar, são pequenas); as crianças realizam o descanso em colchonetes próximos um dos outros;

7. Muitos estabelecimentos, segundo o Censo Escolar, não contam com espaços externos apropriados para atividades com as crianças. Mesmo aqueles que apresentam áreas em boas condições de uso, como demonstram pesquisas que observam o cotidiano de creches e pré-escola, restringem sua utilização a situações de recreio ou de breves intervalos;

8. Também é preciso considerar que em algumas regiões do Brasil estamos iniciando as estações mais frias, o que dificulta o uso dos espaços externos em função de períodos chuvosos e de temperaturas menores.”

 

Publicado no DOC de 14/07/2020 – pp. 61 e 62

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