Aspectos estruturais da educação, como falta de investimento em formação, de ampliação e modernização de equipamentos e ambientes e de preenchimento adequado dos quadros de pessoal vieram à tona com tons dramáticos.

A prioridade para a terceirização e a privatização também, com a iniciativa unilateral da SME de criar conteúdo online e livro para ser usado em domicílio sob coordenação dos pais.

O Sociólogo Rudá Ricci coordena o instituto Cultiva, que há 12 anos assessora o SINESP na realização da pesquisa científica que dá base ao o Retrato da Rede. Nesse período, acompanha a evolução da série histórica dos problemas identificados a partir da pesquisa com os Gestores Educacionais.

Em entrevista à Imprensa do SINESP, Rudá afirma que a equipe do Instituto Cultiva está levantando propostas de implantação de ensino a distância em redes públicas, e percebe que há um movimento oportunista de empresários da educação para se aproveitarem do isolamento social para fazerem seus negócios prosperarem.

Para ele, é preciso proteger o ofício de ensinar, de socialização entre diferentes que vai muito além de um rol de temas e informações a serem memorizadas para o sucesso individual do aluno, e deixar claro aos pais que ensino à distância não é educação para quem está em processo de formação como adulto e cidadão".

A exigência do governo, da presença de Gestores e pessoal administrativo nas unidades escolares, é uma decisão equivocada para Rudá, pois contato próximo de profissionais em locais fechados facilita a contaminação e pode gerar nova onda epidêmica.

Rudá alerta, ainda, que metrópoles como São Paulo viverão uma *situação aguda de desemprego, desalento social, queda brusca de renda, principalmente nas periferias da cidade, nos extremos. E isso terá impacto sobre o desempenho escolar, sobre a autoestima e segurança das famílias dos alunos", e as escolas precisam estar preparadas para isso.

À luz da crise provocada pela pandemia, Rudá Ricci expõe carências e propõe medidas, nas respostas dadas às questões formuladas pela Imprensa do SINESP.

Veja a seguir.

 

O indicador Saúde do Trabalhador do Retrato da Rede mostra permanência do adoecimento profissional dos Gestores, resultado das condições de trabalho impostas, com tarefas e pressão que crescem a cada ano.

A atual crise pode piorar isso, uma vez que os Gestores continuam na ativa e sob cobrança?

Rudá: As redes públicas de ensino sofrerão dois momentos de estresse muito intensos e distintos neste ano.

O primeiro momento, atual, se relaciona com as exigências que alguns governos fazem, equivocadamente, da presença de diretores e pessoal administrativo e gestão nas unidades escolares. O contato próximo de profissionais em locais fechados pode gerar contaminação pelo Covid19. Essa decisão pode gerar nova onda epidêmica.

Há um cálculo aproximado de pesquisadores da área que sugere que cada semana que deixamos de cumprir o isolamento social provocará um mês a mais na epidemia. Os profissionais nas unidades escolares receberão, ainda, a pressão dos pais em busca de apoio (a escola se tornará porta de entrada das demandas, como são as unidades básicas de saúde) e alimentação.

O segundo momento começará com o day after, possivelmente, entre agosto e setembro. Metrópoles como São Paulo viverão uma situação aguda de desemprego, desalento social, queda brusca de renda, principalmente nas periferias da cidade, em todos os extremos.

A projeção que se faz, no melhor cenário, é de 50% de aumento da taxa de desemprego; no pior cenário, projeta-se o dobro do índice de desemprego, superando a casa dos 20% da PEA. Pesquisa recente patrocinada pela Central Única de Favelas indica que 80% dos moradores de favelas do Brasil já sentem queda de renda familiar e só têm estoque de alimentos para 7 dias.

Imaginemos o impacto dessa situação sobre as escolas, sobre o desempenho escolar, sobre a autoestima e segurança das famílias de nossos alunos: estamos nos preparando para este cenário?

 

A deterioração das relações de trabalho e a ausência de compromisso do governo com a qualidade do ensino ficam evidentes no Retrato da Rede, com a falta de investimento em equipamentos, ambientes, tecnologia e formação e na precariedade do apoio pedagógico das DRES às equipes.

Como isso reflete nesse momento de crise?

Rudá: Se pensarmos a política educacional como metas de conteúdos a serem atingidas, já podemos dar como um ano letivo perdido. Mas, se entendermos educação como socialização e construção da autonomia dos indivíduos, construindo uma compreensão do mundo e se situando no nosso processo civilizatório, não apenas como sucesso individual, temos uma importante tarefa pela frente.

As escolas precisam se adaptar ao novo cenário de queda de 5% do PIB, conforme projeção do Banco Mundial para o Brasil para este ano: criar rodas de conversa para analisar o que passamos e o que temos como tarefas como comunidades e nação; refletir o que as escolas devem assumir como centro de cultura e aprendizagem para cada comunidade; reconstruir e fortalecer os laços entre alunos, famílias e comunidades; definir projetos – apoiados no Currículo da Cidade – de protagonismo territorial juvenil.

Tais tarefas, evidentemente, devem alterar certo burocratismo e inércia – oriunda dos modelos gerencialistas e empresariais que se meteram na educação pública nos últimos anos - de toda orientação pedagógica e se chocam com as deficiências estruturais do sistema educacional paulistanos, como ausência de escuta do comando da política educacional em relação aos gestores e educadores escolares, módulos incompletos há muito tempo, sobrecarga de trabalho, demandas burocráticas sem sentido prático, equipes de apoio da secretaria às escolas em número reduzido, entre outros.

Seria o momento de um pacto educativo municipal envolvendo sindicatos da área e governo. O erro mais grave será retornar ao momento anterior como se o vendaval tivesse tirado apenas uma parte do telhado de nossas casas.

 

A disponibilização pela SME de conteúdo online, uso da plataforma Google, envio de livros às residências e envolvimento dos pais no processo educativo podem incrementar a privatização, a introdução do ensino domiciliar e a aplicação do voucher?

Rudá: Podem. Nossa equipe do Instituto Cultiva está fazendo levantamento das propostas de implantação de ensino à distância em redes públicas, e percebem que há um movimento oportunista de empresários da educação para se aproveitarem do isolamento social para fazerem seus negócios prosperarem.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação acaba de publicar um importante balanço de como municípios e Estados estão enfrentando ou acolhendo esta ofensiva empresarial.

A UNDIME definiu, para o ensino fundamental, recomendações de algumas modalidades à distância de forma experimental, mas “como complementar e não substitutivo aos dias letivos.”

O MP de Goiás, por meio da promotora Maria Bernadete Ramos Crispim, da 42ª Promotoria de Justiça de Goiânia, expediu a Recomendação nº 003/2020, no dia 2 de abril, direcionada ao Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE), indicando revogação das Resoluções nº 2 e 5/2020, que implantavam a educação a distância para a educação básica do Estado de Goiás, durante o distanciamento social.

Há inúmeras decisões acertadas que convergem para a proteção do ofício de ensinar, de socialização entre diferentes que vai muito além de um rol de temas e informações a serem memorizadas para o sucesso individual do aluno. Temos que deixar claro aos pais: ensino à distância não é educação para quem está em processo de formação como adulto e cidadão.

 

O senhor vê alternativas para equacionar o ensino e as exigências legais para o ano letivo frente à suspensão das aulas imposta pela pandemia?

Rudá: Temos que ter clareza que o ano letivo está comprometido. Situações trágicas como a atual não podem ser ignoradas ou acionar a tentação burocrática de recuperar o tempo perdido. A mente humana não acelera, ela precisa de tempo de maturação para se desenvolver. Todas experiências de aceleração de aprendizagem no mundo geraram resultados catastróficos, incluindo o Brasil.

Também temos que ter claro que a volta às aulas ocorrerá em meio à desestruturação da segurança de muitas comunidades e famílias. Parte de nossas crianças e adolescentes viverá sob o signo desta insegurança. Muitas famílias buscarão alimentos ou amparo social nas escolas. Pais terão perdido renda e empregos. As escolas e a rede municipal de ensino de São Paulo precisam se preparar para este novo cenário.

Não podemos agir com insensibilidade, adotando metas de memorização de conteúdos divorciadas da realidade social, familiar e comunitária.

A articulação de ações com outras secretarias pode ser um caminho ideal. Não se morre por diminuir o ritmo da apresentação dos conteúdos escolares programados. Mas, se morre por abandono social, por falta de solidariedade e ausência da presença e acolhida do Estado, principal amparo em momentos de tragédia social.

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