As escolas, através dos seus Gestores e Gestoras, e os Conselhos Tutelares podem e devem ser aliados no enfrentamento de questões disciplinares e comportamentais no ambiente escolar.

ConselhoTutelar Escola

O Conselho Tutelar é um órgão autônomo, responsável por garantir os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sua função é zelar pelo cumprimento de direitos, e não punir ou reprimir crianças e adolescentes.

A partir dessa constatação, é preciso saber em quais casos ele deve ser acionado pela escola. A partir de que limite as questões disciplinares e comportamentais escapam da competência dos Gestores e Gestoras e passam a ser competência dos Conselhos Tutelares. E então estabelecer diálogo com os Conselheiros para uma atuação conjunta, que além de levar à parceria pode ajudar a Gestão Escolar a conhecer melhor as angústias, necessidades e especificidades do entorno que influenciam no ambiente escolar?

Veja a seguir o texto publicado pelo Portal Nova Escola em 29 de Agosto de 2019, para o qual o SINESP colaborou:

Como gestores escolares e conselho tutelar podem atuar em parceria

Nem sempre a escola tem clareza de quando acionar o órgão e como ele pode colaborar na garantia pelo direito à Educação. Entenda mais sobre o papel do conselho e sua relação com a escola

Zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa é a função dos conselhos tutelares. O órgão é autônomo e responsável por garantir os direitos previstos pelo ECA. Para tal, é preciso que ele atue e dialogue de forma direta com diversos outros setores.

A Educação é um desses direitos. Assim, os conselhos tutelares e escolas devem ser aliados na busca por cumprir os direitos estabelecidos pelo ECA. Na prática, porém, essa relação pode ser um pouco nebulosa. Isso acontece, sobretudo, devido a uma falta de clareza a respeito do que é competência, ou não, do conselho tutelar. Não raro, gestores escolares ficam em dúvida se determinado acontecimento deve realmente ser encaminhado a esse órgão ou se cabe à escola, sozinha, lidar com o caso.

Em quais casos o conselho tutelar deve ser acionado pela escola?

Algumas situações são bastante claras. Ainda segundo o que prevê o ECA, gestores escolares têm a obrigação de comunicar ao conselho tutelar casos de maus tratos envolvendo os alunos, evasão escolar e elevados níveis de repetência. Diante disso, há situações que certamente são de responsabilidade do conselho tutelar, como evidências de abandono, abuso ou violência.

Mas há diversas outras questões dentro de uma escola que podem gerar dúvidas quanto ao encaminhamento ao conselho tutelar, já que são ocorrências que se aproximam do limite do que seria aceitável para a manutenção dos direitos de crianças e jovens. Dentre elas, estão questões disciplinares e comportamentais.

Nesses casos, “depende muito do jogo de cintura do gestor”, afirma Cristiane Machado, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ela, os gestores precisam estar atentos ao foco da situação para conseguir ponderar entre o que é apenas disciplinar e o que chega a violar direitos. “É nesse limite que está o papel do gestor e da gestora”, completa.

Cristiane explica que questões exclusivamente pedagógicas, como indisciplina ou até mesmo brigas, devem ser tratadas pela própria escola. “As questões pedagógicas são de responsabilidade da escola, e ela não pode se eximir dessa responsabilidade. Ela precisa pegar para si e criar mecanismos para mediar essa situação”. Se a questão extrapolar o âmbito educacional, como porte de armas ou uso de drogas dentro da unidade de ensino, aí é hora de encaminhar o caso para outro órgão. E, nestes casos, o conselho tutelar é o principal aliado para encaminhamento.

Marcelo Ferreira de Siqueira, conselheiro no conselho tutelar do Butantã, zona Oeste de São Paulo, diz que, na dúvida se determinada situação realmente precisa de um encaminhamento externo, o melhor é que a escola dialogue com o conselho. “É importante você ter a humildade de ligar e perguntar: eu estou com uma situação aqui, você pode me ajudar?”.

Conselho tutelar não serve para dar bronca

E é justamente por conta dessa linha tênue entre as situações, que muitos erros são cometidos por parte das escolas - seja deixando de notificar o conselho em casos cruciais, seja notificando em casos desnecessários. Marcelo conta que esse tipo de situação acontece porque há um desconhecimento a respeito das reais atribuições do conselho tutelar.

O conselho não é um órgão punitivo e, portanto, não deveria ser enxergado dessa forma. “O conselheiro não vai chamar o aluno em sua sede e dar uma bronca”, afirma. Conselheiro na Mooca, bairro na zona leste de São Paulo, Wilson Sebastião Cotrim  diz que ameaças como “você está bagunçando aqui na sala de aula, vou te mandar para o conselho tutelar” são comuns. “É um discurso que nos coloca sempre como órgão repressor e isso dificulta as ações. Conselho tutelar é órgão protetor, protege o direito de crianças e adolescentes”, diz Wilson.

Tanto Marcelo quanto Wilson concordam que as escolas poderiam explorar melhor suas próprias possibilidades antes de acionar o conselho tutelar. Segundo Rosineide Fréz, técnica pedagógica do Departamento de Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, essa é realmente a recomendação que se passa para gestores. “Pedimos que primeiro ele tente que todas as medidas pedagógicas que envolvam criança e adolescente sejam resolvidas no âmbito escolar e também junto com a família”.

Escolas e conselhos tutelares: aliados por um objetivo comum

Apesar dessa necessidade de entender o que é de responsabilidade de cada elemento dessa relação, o mais importante é a compreensão de que escolas e conselhos tutelares têm um objetivo comum: garantir os direitos de crianças e adolescentes. “Se as escolas não estão vendo os conselhos tutelares como aliados, tem um problema sério de relação. E isso precisa ser discutido, analisado, estudado, compreendido e planejado conjuntamente”, enfatiza Cristiane.

Alessandra Fernandes de Deus é diretora da EE Padre José Senabre, em Vespasiano, município da região metropolitana de Belo Horizonte, e considera que uma relação harmoniosa com o conselho tutelar é uma boa estratégia para evitar que as situações se tornem casos mais extremos.

Ela conta que, sempre que toma posse em uma nova escola, já vai até o conselho e conversa abertamente sobre as angústias, necessidades e especificidades que a escola e o entorno possuem. Isso traz uma aproximação essencial para o trabalho em equipe. “Quanto mais rápido a gente busca o conselho, acho que tem mais chance de ter um resultado bacana em relação a alguns casos. A gente não pode deixar a situação ficar crítica”, opina.

Para Alessandra, esse trabalho conjunto beneficia crianças e adolescentes de uma forma até mais ampla do que a prevista pelo ECA. “Não é só garantir que a criança não seja maltratada ou que ela não tenha o direito à Educação violado. É garantir que ela possa realmente ser inserida em um contexto social que ela vai ter segurança, capacidade de progredir, de avançar”.

O relacionamento construído no longo prazo é realmente essencial para que o gestor não acione o conselho apenas quando a situação extrapola e o órgão é acionado para “apagar incêndio” – o que tem sido comum, segundo a professora da Unicamp Cristiane. “No ideal, depois que a gente resolvesse todos os incêndios, a gente precisaria se organizar nessa parceria escola e conselho tutelar para não criar situações que são de extremo abandono, desigualdade e violência contra a infância e juventude no país”, afirma Cristiane.

Para isso, é recomendado que os gestores escolares considerem o trabalho dos conselheiros em sua totalidade. Afinal, eles também são responsáveis por outras demandas sociais além da Educação. Sendo assim, nem sempre a estrutura permite que seja dada uma atenção rápida para os encaminhamentos escolares, sobretudo se a escola costuma deixar os casos chegarem ao extremo. Também é preciso considerar que enviar todos os casos de uma vez pode gerar uma demanda difícil de ser gerenciada pelo órgão. Só o conselho tutelar do Butantã, que conta com cinco conselheiros, por exemplo, atende mais de 40 escolas.

“Quando chega aquele monte de situações de escolas, fica até difícil para o conselho tutelar fazer esse tipo de acompanhamento. É humanamente impossível”, desabafa o conselheiro Wilson. Diante de situações como essa, em que o gestor não recebe o retorno da forma ou velocidade esperados, Cristiane recomenda sempre o diálogo, sem desistir da interação. “Não adianta a gente ficar com animosidade em relação ao conselho, porque isso não vai construir nada de bom. Ao contrário, vai fortalecer a destruição das relações sociais”, opina.

Como um gestor escolar pode se aproximar do conselho tutelar?

Para criar uma aproximação, o recomendado é que os gestores ajam sempre a partir do diálogo, tentando quebrar qualquer tipo de barreira que possa existir entre os dois órgãos. O canal entre gestores e conselheiros é aberto e a comunicação pode ser feita da forma que for melhor para ambos – seja por e-mail, telefone ou pessoalmente.

Christian Sznick, Diretor Escolar e representante dos Gestores Educacionais da Rede Municipal de Educação de São Paulo pelo Sindicato Especialistas Ensino Público São Paulo (SINESP), indica que é essencial mostrar aos conselheiros que há uma intenção de proximidade e parceria. “O conselho tutelar não está lá somente por uma questão de judicialização, mas ele está para apoiar. É importante vê-lo dessa forma e buscar mostrar a ele que você está chamando para uma ajuda, não para apontar o dedo”, considera o diretor.

Para Cristiane, é também essencial entender os problemas da escola, analisar o entorno no qual ela está inserida e discutir, junto ao conselho tutelar, como ambos podem agir para beneficiar crianças e adolescentes neste contexto. “A gente sabe que o gestor tem muitas responsabilidades, muitas tarefas. Mas essa é mais uma tarefa que cabe a ele e necessita de atenção”.

 

0
0
0
s2sdefault