O Prof. Luiz Carlos de Freitas debaterá no 23º Congresso do SINESP se “a reforma da educação é uma nova política educacional“. Nessa entrevista ao site do SINESP fala sobre a forte ameaça à escola no Brasil e em São Paulo, sob governos de orientação conservadora e neoliberal. Freitas é Professor Titular (aposentado) da Faculdade de Educação da Unicamp e ex-diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP.

Freitas SitePara o professor, a escola atual, orientada para a participação de todos na democracia liberal, “foi efetivada ao longo do tempo sob a constante pressão das camadas populares para que fossem incluídas no sistema educacional”.

Ainda que parcial e insuficiente, deste 1970 há uma piora, pois as “elites estão tendo que repensar a própria democracia liberal”, reduzindo o estado ao mínimo para atender somente “às demandas dos setores produtivos / empresariais.” 

Com isso a escola também perde sua finalidade original e tem que ser “aprisionada” para troca de finalidade: a “participação no mercado” em lugar da “participação cidadã”.

O professor explica que a “nova escola é a escola do empreendedorismovendendo a falsa ideia de que todos podem ser empresários. É a escola da meritocracia, das avaliações constantes, da responsabilização, da “resiliência” etc.” As orientações políticas dominantes hoje “(conservadores e neoliberais) desejam uma escola aprisionada, meritocrática e autoritária”.

Com o Estado sendo “desvalorizado”, repete-se à exaustão que “as instituições públicas são ineficientes e devem ser transformadas em organizações empresariais, ou seja, devem ser privatizadas ou adotar, pelo menos, a forma de gestão privada.”

A escola pública também entra na ciranda. Em São Paulo domina “uma visão gerencialista da rede pública destinada a privatizar por dentro o sistema”. Ou seja, introduzir a lógica da gestão privada no interior das escolas públicas.

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Leia a entrevista a seguir:

SINESP: O Sr. afirma que a escola pública nunca esteve tão ameaçada como está hoje. Qual a ligação disso com o projeto político que está sendo aplicado no Brasil?

A escola pública foi pensada como uma forma de “garantir” acesso ao conhecimento de maneira a permitir a participação de todos na democracia liberal. Mito ou realidade, esta foi a proclamação. Tanto que há até um movimento, o Movimento Todos pela Educação, com esta finalidade e houve recentemente a instituição de uma Base Nacional Comum Curricular, com o objetivo de garantir a todos o acesso ao conhecimento considerado básico. Sem isso, a “participação” na sociedade ficaria prejudicada.

No entanto, esta proclamação só foi efetivada ao longo do tempo (e de forma parcial) sob a constante pressão das camadas populares para que fossem incluídas no sistema educacional. Esse “acesso” não foi permitido sem que se desenvolvesse um controletécnico da escola que a mantivesse dentro dos limites políticos toleráveis da democracia liberal representativa.

Ocorre que com a crise estrutural pela qual o mundo passa deste 1970, as elites estão tendo que repensar a própria democracia liberal. Atender às demandas de uma política social inclusiva exige recursos que, pela crise vigente, competem com as funções que as elites esperam do Estado, ou seja, obter incentivos e isenção, reduzir impostos, de forma que os produtos sejam colocados no mercado internacional de maneira competitiva, garantindo os patamares de lucro esperados.

O Estado está sendo disputado. No momento, as elites estão ganhando esta luta e as políticas sociais de proteção estão sendo desativadas. O Estado está sendo reduzido a um mínimo: aquele que atende às demandas dos setores produtivos/empresariais.

Com o Estado retirando de cena a proteção social, a escola também perde sua finalidade original (preparar para a “participação” de todos na sociedade liberal) e tem que ser “aprisionada” para que esta finalidade seja trocada por outra: a introdução de uma geocultura meritocrática que prepare a juventude para ser “empreendedora de si mesmo” no livre mercado, ou seja, que ela possa “virar-se” por si mesma sem depender do Estado. Interessa, agora, a preparação da juventude para que ela participe em uma parte da sociedade apenas: o mercado.

Define-se, assim, que a inclusão não se faz mais sob estímulo do Estado, com a finalidade de se obter uma participação “cidadã”, mas pela participação no mercado, que lhe garante uma posição coerente com o mérito que acumulou. O que passa a existir, portanto, no lugar da “desigualdade social” é a “desigualdade de mérito”, que justifica o mais rico pelo mérito acumulado e o mais pobre pela falta de mérito. Quem não tem mérito, também não pode ter direitos. Cada um é responsável por seu sucesso ou por seu fracasso, e não deve contar mais com o Estado.

A nova escola é a escola do “empreendedorismo” – vendendo a falsa ideia de que todos podem ser empresários. É a escola da meritocracia, das avaliações constantes, da responsabilização, da “resiliência” etc.

Os conservadores pegaram carona e estão adicionando a militarização, o controle disciplinar e o “escola sem partido”. Ambas orientações (conservadores e neoliberais) desejam uma escola aprisionada, meritocrática e autoritária. Esta é a imagem de sociedade que deve dar base, agora, para a escola e isto é extremamente grave, pois ela contém embutida uma lógica proto-fascista.

SINESP: Como a privatização do ensino público está sendo encaminhada no Brasil?

Em uma sociedade como a que descrevemos acima, a “organização empresarial” é o modelo básico para todas as instituições e a “concorrência” é o princípio geral de funcionamento social, como bem definiu Marilena Chauí, recentemente. Portanto, há a crença generalizada de que o grande problema das instituições é a “gestão”. Tudo se resolve por ela.

Em um momento em que o Estado está sendo “desvalorizado”, para minar seu papel de promover a cidadania e a igualdade, as instituições públicas são consideradas ineficientes e devem, segundo esta visão, ser transformadas em organizações empresariais, ou seja, devem ser privatizadas ou adotar, pelo menos, a forma de gestão privada.

A ideia, portanto, do governo de turno, uma coalisão conservadora/neoliberal, é remover o Estado da administração direta das escolas públicas, iniciando um processo de reconversão destas em escolas de gestão privada via terceirização e, por outro, incentivar o desenvolvimento de um livre mercado educacional através da instituição de “vouchers” que são recursos públicos dados diretamente aos pais para que eles “escolham” no mercado em qual escola (terceirizada, privada ou pública) vão colocar seus filhos.

Com isso inicia-se um processo de esvaziamento das redes públicas de ensino através da destinação de seus recursos a entidades privadas ou administradas por entidades privadas (com ou sem fins lucrativos). O Estado sai da administração das escolas e fica apenas com o financiamento.

Se o modelo for o americano, o governo federal irá instituir Programas Federais com recursos destinados a incentivar os estados da federação a privatizar suas escolas por terceirização ou vouchers.

SINESP: E particularmente na cidade de São Paulo?

No caso de São Paulo, de longa data, está em desenvolvimento uma visão gerencialista da rede pública destinada a privatizar por dentro o sistema, ou seja, introduzir a lógica da gestão privada no interior das escolas públicas. O “Novotec” de Dória, por exemplo, será um passo a mais nesta lógica privatista.

Na próxima publicação, o Prof. Luiz Carlos de Freitas responderá a pergunta: “O que os Sindicatos, setores progressistas da sociedade e os Gestores Educacionais podem fazer para manter a escola pública como conhecemos e melhorá-la?” Não perca!!!

 

Em 2016, o Prof Luiz Carlos de Freitas falou sobreo "real significado da base nacional comum curricular" no Fórum realizado pelo SINESP naqulee ano. Veja o vídeo AQUI.

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