A ofensiva para revogar o título provocou reações em toda a educação nacional, que repercutiram no 21º Congresso do SINESP e levaram à aprovação de uma moção de repúdio encaminhada pelo Sindicato ao Senado Federal.

21 Congresso VotacaoA moção aprovada pela maioria dos cerca de 600 Gestores Educacionais que participaram do 21º Congresso foi redigida da seguinte forma:

Moção de repúdio à proposta legislativa apresentada no site do Senado Federal, que propõe revogar o título de patrono da educação brasileira, concedido a Paulo Freire, através da Lei 12.612/2012.

A plenária do 21º Congresso do SINESP, indignada e sob forte impacto, se manifesta contra a revogação do título de patrono da educação brasileira concedido a Paulo Freire. Paulo Freire é conhecido nacional e internacionalmente por sua proposta político-pedagógica vinculada aos processos de conscientização, humanização e emancipação do ser humano, intermediados pela Educação. Ao reconhecê-lo assim, mobilizamo-nos em defesa da Educação Pública - laica, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada – e do Estado de Direito, que é também o direito à vida, à cidadania e ao conhecimento, que fortalece a construção de um mundo com justiça social e respeito às diversidades e aos Direitos Humanos.

O debate no Congresso teve impulso com a defesa de Paulo Freire feita pelo Professor Mário Sérgio Cortella durante a Conferência que apresentou. Cortella lembrou a proximidade que teve com Paulo Freire, que foi orientador de seu doutorado e com quem trabalhou na Secretaria Muicipal de Educação de São Paulo, e defendeu seu legado.

Freire é um dos mais notáveis pensadores da história da Pedagogia. Um indicador disso está no levantamento feito pelo Google Scholar, ferramenta de pesquisa para literatura acadêmica. O estudo de autoria do professor associado da London School of Economics, Elliot Green, revela que o educador é o terceiro mais citado do mundo em universidades da área de humanas, com 72.359 citações, ficando atrás apenas do filósofo americano Thomas Kuhn (81.311) e do sociólogo, também americano, Everett Rogers (72.780).

Proposta rejeitada

A proposta legislativa apresentada no Senado com o objetivo de revogar a Lei 12.612, de 2012, que concedeu o título de patrono da educação ao educador, teve autoria da estudante Stefanny Papaiano, apoiadora do Escola Sem Partido, com amplo apoio do Movimento Brasil Livre.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal rejeitou a proposta na quinta-feira, 14 de dezembro. O pedido para arquivar o projeto foi feito pela senadora do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra.

O Coletivo Paulo Freire por uma Educação Democrática foi o principal articulador na campanha pela manutenção do nome de Freire. Ele lançou um manifesto pela manutenção do título ao educador, em outubro de 2017, com aderência de milhares de educadores, pesquisadores, políticos, filósofos e sociedade em geral.

 

paulo freire 640x424Veja o texto do manifesto:

COLETIVO PAULO FREIRE POR UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

MANIFESTO

Defender Paulo Freire como ‘Patrono da Educação Brasileira’ é defender nossa produção intelectual, a boa prática pedagógica e o próprio Brasil.

“Não posso ser professor a favor simplesmente do homem ou da humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.”
(Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia)

“O que não é possível na prática democrática, é que o professor ou a professora, sub-repticiamente, ou não, imponha aos alunos sua ‘leitura de mundo’, em cujo marco situa o ensino do conteúdo. Combater o autoritarismo de direita ou de esquerda não me leva, contudo, à impossível neutralidade que não é outra coisa senão a maneira manhosa com que se procura esconder a opção.”
(Paulo Freire, em Pedagogia da Esperança)

São Paulo, 16 de outubro de 2017.

Movimentos ultraconservadores querem tirar de Paulo Freire o título de “Patrono da Educação Brasileira”. As signatárias e os signatários deste Manifesto expressam sua contrariedade perante tamanha injustiça, fruto do desconhecimento da pedagogia como ciência, da História da Educação e da própria História do Brasil.

Para quem desconhece os fatos, é necessário apresentar, brevemente, quem foi Paulo Freire.

Paulo Freire é o pensador brasileiro mais reconhecido no mundo, sendo considerado um dos maiores educadores da História. Como cidadão, sonhou em alfabetizar todas as brasileiras e todos os brasileiros, criando a principal proposta emancipadora de Educação de Jovens e Adultos, na perspectiva da Educação Popular e da Educação como Direito Humano.

Paulo Freire foi, essencialmente, um homem generoso e coerente. Sua produção teórica e leitura de mundo alimentaram sua prática cidadã e política – e por elas foram alimentadas. Criador de uma pedagogia viva, concebeu a educação como apropriação da cultura, e teorizou uma prática pedagógica alicerçada na conscientização das cidadãs e dos cidadãos por meio do diálogo entre o(a) educador(a) e o(a) educando(a).

Dedicada à emancipação plena de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, a teoria freireana busca a construção de uma sociedade mais humanizada, afirmando que é preciso que todas e todos aprendam a ler o mundo e as palavras, ampliando os repertórios, desenvolvendo o senso crítico, a autonomia intelectual e a solidariedade.

Diante da grandeza de sua vida e obra, Paulo Freire foi o brasileiro mais homenageado da História. Entre inúmeras honrarias, foi laureado com 41 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades distribuídas por todo o mundo, sendo Professor Emérito de cinco universidades, incluindo a Universidade de São Paulo (USP). Também foi agraciado com diversos títulos da comunidade internacional, como o prêmio da UNESCO de Educação para a Paz, em 1986.

Pedagogia do oprimido (1968), considerada sua obra-prima, é a terceira mais citada em toda a literatura das Ciências Humanas, segundo pesquisa realizada por Elliott Green, professor associado à London School of Economics.

Entre 1989 e 1991, Paulo Freire foi Secretário de Educação do Município de São Paulo, na gestão da então prefeita Luiza Erundina. Até hoje é considerado o melhor gestor educacional da história paulistana, reconhecido tanto pela rede municipal quanto pelos estudiosos da gestão pública, chegando a ser aclamado “Presidente de Honra da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)”.

Em 13 de abril de 2012, por meio da Lei 12.612/2012, de autoria da deputada federal Luiza Erundina, Paulo Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira, em aprovação unânime no Congresso Nacional. Esse reconhecimento fez jus, em solo nacional, às homenagens que o educador nordestino, nascido em Recife (Pernambuco), já tinha obtido e acumulado ao redor do mundo.

Qualquer exame da História comprova que o legado de Paulo Freire é motivo de orgulho para a Educação Nacional, para a Pedagogia como campo científico e para o próprio Brasil. Porém, nesse obscuro momento pelo qual passa o país, pessoas que desconhecem por completo a obra e o legado de Paulo Freire se articulam para retirar-lhe o título de Patrono da Educação Brasileira, por meio de medida revogatória no Congresso Nacional. Permitir a tramitação de tal injustiça é ofensivo à Democracia, à Educação, ao povo brasileiro e à própria imagem do Brasil perante a Comunidade Internacional.

A sociedade brasileira não pode permitir tamanho acinte. Cassar de Paulo Freire o título de “Patrono da Educação Brasileira”, recebido in memoriam, representa impor a ele e à sua obra uma espécie de segundo exílio, tão violento quanto o primeiro (1964-1980) – levado a cabo pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985).

É preciso que o Brasil encontre um mínimo de pontos de convergência. Nesse sentido, defender o legado de Paulo Freire nada mais é do que reconhecer o trabalho de um homem do povo, criador de um pensamento pedagógico único e radicalmente democrático, por isso, revolucionário. Respeitar Paulo Freire é resguardar a História daquelas pessoas imprescindíveis que dedicam sua vida, dia após dia, à luta por um mundo livre, fraterno, igualitário, justo, próspero e sustentável.

É em nome de uma educação democrática que lutaremos pela manutenção do título que lhe foi merecidamente conferido em 2012. As cidadãs e os cidadãos que assinam este Manifesto, bem como as instituições signatárias, desejam vida longa à obra de Paulo Freire, declarando seu compromisso incansável e incondicional com a defesa do legado do maior educador da História do Brasil, legítimo e irrevogável Patrono da Educação Brasileira.

“Se nada ficar dessas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo que seja menos difícil de amar.”
(Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido)

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