A T O S   N O R M A T I V O S   D O

C O N S E L H O   M U N I C I P A L   D E   E D U C A Ç Ã O

INDICAÇÃO CME Nº 07/98 - Aprovada em 10/12/98

Autonomia e gestão da escola pública

Relatores :ConsosJosé Augusto Dias, José Waldir Grégio,  Luiz Carlos Fernandes de Mattos e Walter Vicioni Gonçalves

1. RELATÓRIO

Um problema crônico da realidade brasileira – a baixa escolaridade da população em geral -, que por muito tempo incomodou mais, e talvez apenas a consciência ética de alguns, passou a ser o problema de todos, inclusive dos setores produtivos que finalmente foram diretamente atingidos pelo entrave que esta condição representa para a modernização exigida pela competitividade.

Embora esta seja uma percepção oportunista e limitada, pois são de longa data e amplamente conhecidos os efeitos nocivos do “déficit” educacional, a educação passa a ser, com mais força, reivindicação política e social, agora com o apoio explícito das forças produtivas. Coincidindo com o espírito democrático do Governo atual, o fato ensejou a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Federal no 9.394/96 – (LDB), que tem como uma de suas finalidades básicas a criação de mecanismos para a elevação da escolaridade e da oferta de uma educação de qualidade para todos.

A expansão das oportunidades de educação e a elevação da escolaridade, por si sós, não são suficientes. O processo pedagógico da escola deve transformar-se para responder aos desafios de uma educação de qualidade para todos.

Na vigência do regime seriado, em que recaía inteiramente sobre os ombros do aluno a responsabilidade de dominar blocos de conhecimentos, que reuniam de forma indissociável várias disciplinas por período letivo, instituiu-se no país a chamada “cultura da repetência”. Nesse regime, a insuficiência em qualquer das disciplinas determinava a necessidade de repetir todo o bloco no período letivo seguinte. Em tal situação, era natural que a atenção dos responsáveis pela gestão escolar se voltasse para a necessidade de reduzir ao mínimo os índices de repetência. A cultura escolar incluía a preocupação com médias, frações de nota, pontos que faltavam para alcançar o mínimo e outras minúcias que acentuavam os aspectos meramente quantitativos da aprendizagem e a necessidade de maior eficiência, entendida como obtenção de nota suficiente para aprovação. A situação chegou a tal ponto que idéias originárias de outros contextos, tais como o movimento conhecido como “taylorismo”, passaram a ser experimentadas na administração escolar, com resultados desastrosos, como demonstrou Callahan no texto Educationandthe cult ofefficiency.

A orientação dada ao ensino pelas normas emitidas a partir da nova LDB permite a superação da “cultura da repetência”. Contudo, para que essa mudança  resulte vantajosa, há  necessidade  de  que  a   preocupação  com  os aspectos quantitativos seja substituída por um bem estruturado esforço pela melhoria  da  qualidade do ensino. A atividade do aluno não deve mais  centrar-se na busca de notas, mas no domínio adequado de conhecimentos. É neste sentido que transparece a importância da gestão da escola pública, não mais como preocupação apenas com a eficiência e a quantidade, mas com a qualidade.

A despeito do progresso significativo da escolarização nos últimos anos, indicadores convergentes mostram a persistência da baixa taxa de acesso à escola de crianças e jovens de regiões e zonas periféricas, onde ainda se perpetuam as desigualdades sociais e a deterioração ou estagnação da qualidade da educação, quer seja ela medida pelas condições nas quais ela é ministrada (processos, conteúdos, métodos e recursos didáticos) ou pelos resultados do rendimento escolar.

Essa preocupação com a qualidade do ensino não é nova e é sempre acentuada com a crise econômica; ela está ligada a um conjunto de fatores, entre os quais: um ambiente que estimule o desenvolvimento intelectual, um mínimo de condições do trabalho docente e do ambiente escolar, um professor que estimule a participação e o interesse dos alunos, conduzindo-os a um novo grau de compreensão e conhecimento no plano cognitivo, afetivo e psicomotor e, em especial, uma gestão democrática do ensino público.

Com efeito, estudos realizados no âmbito do InternationalInstitute for Educational Planning (IIPE/UNESCO) mostram que um adequado sistema de gestão e funcionamento da escola e um confiável sistema de informação, permitindo supervisionar e avaliar o sistema ao nível local (escola), constituem dois fatores determinantes para uma oferta educacional de qualidade. Esses estudos conjugados com a experiência acumulada em inúmeros países, entre eles o Brasil, parecem mostrar igualmente que toda estratégia de melhoria da qualidade da educação deve ter seu foco na escola e na sua comunidade.

A legislação educacional recente abriu novas perspectivas para a organização dos estabelecimentos de ensino. Na mesma proporção em que as escolas ganharam novo grau de autonomia e maior carga de responsabilidades, cresceu a importância da atuação daqueles que são responsáveis pelas decisões que afetam o trabalho escolar. A gestão da escola pública teve reforçado seu papel de fator estratégico para o êxito das reformas por que passa o ensino brasileiro.

A LDB adverte, em diversos artigos, para a necessidade de imprimir à gestão da escola pública um estilo democrático. O inciso VIII do artigo 3o introduz o princípio da “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. Portanto, além da orientação dada na própria LDB, ficam os sistemas de ensino encarregados de emitir normas complementares que garantam uma forma adequada para a condução dos trabalhos no ensino  público.  Por  outro  lado, nada  impede - ao contrário, é  até recomendável - que os mantenedores de escolas privadas também se inspirem nesses princípios para a gestão de seus próprios estabelecimentos de ensino.

No artigo 14, a Lei volta a tratar da matéria, ao estabelecer:

“Artigo 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.”

A lei utiliza uma palavra chave: participação. Em um ambiente genuinamente democrático, todas as pessoas envolvidas em um empreendimento têm oportunidade de expressar seus pontos de vista e de contribuir para a tomada de decisões. É esse sentimento de ter algo a dar de si mesmo para o trabalho conjunto que garante a adesão de todos ao projeto pedagógico da escola. Não algo a ser imposto de cima, mas um compromisso de cada um dos envolvidos no trabalho escolar: alunos, professores, pessoal não-docente, pais de alunos, cidadãos da comunidade a que pertence a escola. A lei destaca especialmente os profissionais da educação, a comunidade escolar, a comunidade local e os conselhos escolares.

Os profissionais da educação ocupam posição estratégica em todo movimento tendente à melhoria da qualidade do ensino, de tal forma que seu grau de adesão às iniciativas nesse setor irá determinar as possibilidades de êxito. O melhor projeto pedagógico estará condenado ao fracasso se a ele não aderirem com convicção os profissionais da educação. Aliás, o mesmo raciocínio vale para a comunidade escolar como um todo.

A participação da comunidade local também é essencial. O relacionamento da escola com a comunidade a seu redor tem influência decisiva para o apoio que a escola precisa receber. Uma administração democrática precisa encontrar os mecanismos que garantam a aproximação e o intercâmbio entre a escola e a comunidade.

Uma boa forma de congregar os esforços e garantir a participação de profissionais da educação, comunidade escolar e comunidade local é a constituída pelo Conselho de Escola. Reunindo representantes dos vários segmentos interessados no bom andamento dos trabalhos escolares, o Conselho de Escola significa a oportunidade de participação nas decisões, no estabelecimento de metas e na busca de soluções para os inumeráveis problemas do cotidiano da escola.

Ao lado da participação - princípio da gestão democrática - é preciso colocar o princípio da autonomia. A rede pública municipal de São Paulo, dada a sua significativa dimensão com atendimento a 900 mil alunos, é inadministrável, sob  o  ponto  de  vista  da  qualidade.  Não  se conhece nenhuma administração em sucedida de um sistema de dimensão tão expressiva e altamente centralizado. Nesse sentido, a escola deve ser o centro da questão educacional. Portanto, será preciso devolver à escola o compromisso e a  responsabilidade da ação educativa, alinhando-se com os preceitos constitucionais da gestão democrática e participativa.  De  forma  que  o  caminho  crítico  para  se estabelecer uma escola pública eficaz passa pelo envolvimento da comunidade, da direção, dos colegiados escolares, dos pais e dos alunos e pela autonomia na gestão pedagógica, administrativa e financeira.

Determina a LDB, no artigo 15, que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”. Há nesse dispositivo legal pelo menos duas idéias que merecem destaque: 1) as escolas devem ser autônomas, deixando a posição passiva de meras executoras de determinações superiores; 2) a autonomia deve ser construída progressivamente, na proporção em que as escolas se capacitem para exercê-la com firmeza e responsabilidade. Evidentemente, esta segunda idéia jamais poderá ser usada para postergar ou inviabilizar a conquista da autonomia pela escola. É importante que haja, por parte da escola, o esforço de aparelhar-se para a busca de soluções adequadas a sua realidade e, por parte da administração central, a disposição de mudar o seu papel de forma que as escolas possam desenvolver a sua capacidade de vida própria.

Uma proposta de ação dessa natureza implica na concepção, desenvolvimento e avaliação de um sistema de gestão descentralizada e de informação - visando a oferta de uma educação básica de qualidade. Tais sistemas devem ser capazes de evoluir para um modelo que permita dotar as escolas da rede municipal de ensino de autonomia para:

  •   formular e executar o seu projeto pedagógico;
  • tomar decisões dentro do planejamento institucional global e de seu próprio plano de trabalho;
  • executar o seu plano de trabalho e gerir seus recursos.

Será preciso considerar que a autonomia da escola significa a redução de poder da administração central e a transferência do processo decisório para a escola.

Trata-se da construção de um modelo real que implica a reformulação dos papéis dos órgãos centrais que passarão a desempenhar funções normativas e de controle e de planejamento, estudo e avaliação educacional, tendo como referência, unicamente, as políticas e metas estratégicas do sistema. Esse modelo pressupõe a garantia da integração e articulação entre os órgãos centrais e a rede de escolas e, ainda, a preservação da identidade institucional do sistema municipal de ensino.

É preciso ressaltar, também, que a simples definição de normas da gestão democrática da escola, fundamentada nos princípios básicos da participação e da autonomia, não será suficiente para o êxito do novo modelo. É preciso ter uma visão clara do que se quer com a escola. A escola que se pretende ter é, justamente, aquela que tenha objetivos claros, concordância sobre prioridades, flexibilidade para se adequar a novas situações, esforço concentrado para o  alcance  dos  objetivos  previstos  no planejamento global, no seu plano de trabalho e no seu projeto pedagógico. A autonomia a ser construída pela escola deve ser aquela que permite elaborar e implementar projetos pedagógicos consistentes, utilizar recursos disponíveis de forma eficiente e atender ao seu usuário de modo adequado e dinâmico. Enfim, que lhe permita atender aos requerimentos do desenvolvimento do currículo, dos profissionais da educação, das comunidades escolar e local e dos conselhos escolares.

Já foi dito que a autonomia da escola só tem sentido enquanto capacidade de elaborar e pôr em execução seu projeto pedagógico. O exercício da autonomia exige da escola, via projeto pedagógico, uma visão clara de seus objetivos e das atividades que deverá realizar para atingi-los. De novo, a gestão aparece como elemento essencial para a condução do processo.

Num novo modelo, o diretor da escola continua sendo o líder insubstituível, o principal responsável pelo bom andamento dos trabalhos. Contudo, seu papel deve passar por revisão, para que se adapte à nova mentalidade que precisa prevalecer no ambiente escolar. Já não caberia o diretor autoritário, cioso de seu poder e de suas prerrogativas, auto-suficiente, pretensamente capaz de encontrar sozinho as melhores soluções para a escola. Ao contrário, o diretor precisa continuar a estimular a participação de todos na tomada de decisões.

Nenhuma escola pode prescindir de uma liderança esclarecida e democrática. A qualidade do trabalho realizado pela escola depende de alguém sempre disposto a proporcionar estímulo e orientação, alguém permanentemente preocupado em despertar a criatividade e o entusiasmo. A atuação do diretor, norteada pelos princípios da nova legislação, continua sendo elemento fundamental para o êxito da escola.

2. CONCLUSÃO

A gestão da escola pública municipal de São Paulo, nos termos da nova legislação  e  conforme os esclarecimentos contidos nesta Indicação, precisa ter uma orientação democrática, garantindo-se, na tomada de decisões, a participação dos profissionais da educação e das comunidades escolar e local.

3. DECISÃO DA COMISSÃO ESPECIAL

A Comissão  Especial aprova a proposta de Indicação dos Relatores. Presentes os Conselheiros : José Augusto Dias, José Waldir Grégio, Luiz Carlos Fernandes de Mattos e Walter Vicioni Gonçalves.

Sala da Câmara de Ensino Fundamental e Médio, em 3 de dezembro de 1998.

José Waldir Grégio

Presidente da Comissão Especial

DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO

O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO aprova, por unanimidade, a presente Indicação.

Sala do Plenário, em 10 de dezembro de 1998.

NACIM WALTER CHIECO

Presidente

Publicada no DOM de 22/12/98 - página 07

Portaria n.º 4.096, de 21 de dezembro de 1998

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