O Cine Debate do CFCL Benê do SINESP discutiu, no dia 15 de setembro, o filme Atlantique, da diretora francesa Mati Diop. Pela plataforma Zoom, os professores Jean Siqueira e Marcos Maurício conduziram os debates sobre a obra, construída a partir de diversas possibilidades simbólicas presentes no uso de imagens do mar, neste caso específico do Oceano Atlântico, como elemento articulador da narrativa.
Lançado em 2019, o longa-metragem é uma produção envolvendo subsídios do Senegal, Costa do Marfim, França e Bélgica, e gravado em Dakar, capital do Senegal, com o uso de um elenco local. Desse modo, após a conversa sobre o filme nigeriano Amina – no Cine Debate de agosto – Atlantique veio dar continuidade aos trabalhos do Cine Debate com obras cinematográficas produzidas fora do eixo EUA/Europa, no caso, mais uma obra vinda do continente africano.
Falado no idioma uólolei – nome proveniente da etnia dos uolofes, grupo quantitativamente dominante na composição da população do Senegal – as línguas inglesa e francesa também são empregadas ocasionalmente nos diálogos do filme.
Atlantique é o primeiro filme de longa duração dirigido por Diop, cineasta cuja produção até então se restringia à direção de filmes de curta metragem (entre trabalhos ficcionais e documentários – um deles, inclusive, chamado Atlantiques, sobre a imigração de trabalhadores senegaleses para a Europa). Além de diretora e roteirista desses trabalhos, Diop também trabalha como atriz em filmes franceses.
No ano do lançamento, Atlantique conquistou o prêmio de melhor filme no Grand Prix de Cannes, uma premiação do júri e a segunda mais importante do festival, perdendo a Palma de Ouro para Parasita – obra sul-coreana que ganharia também o Oscar de melhor filme no ano seguinte. Atlantique foi o indicado pelo Senegal para o Oscar, mas não foi um dos cinco escolhidos para concorrer à premiação.
Opressão às mulheres, desigualdades sociais e luta de classes são temas marcantes no filme
Na trama da diretora francesa analisada pelos filiados, Souleiman, um empregado da construção civil que está há meses sem receber pagamento por seu trabalho, opta por buscar outras oportunidades de vida se aventurando em uma viagem marítima para a Espanha, abandonando sua amada, Ada, uma jovem de sua classe social prestes a se casar com um homem rico. Após sua partida, coisas estranhas começam a acontecer no entorno de Ada. Dizer mais do que isso é entregar surpresas que o roteiro do filme, escrito pela diretora em coautoria, pretende entregar ao público.
Na discussão, o trabalho do elenco, em especial o da atriz no papel de Ada (Mame Bineta Sane) e do inspetor Issa (Amadou Mbow), foi considerado promissor, ainda mais levando em consideração serem jovens atores e atrizes, a maioria deles sem experiência prévia no grande cinema.
Os temas colocados em pauta pelo filme também foram considerados muito relevantes, com destaque para o da luta de classes, visível pelo confronto entre os trabalhadores pobres e o rico empresário da construção civil, pouco preocupado com a condição dos operários contratados por seu empreendimento.
Outra questão que surgiu como central para o desenvolvimento do roteiro de Atlantique foi a da opressão das mulheres e seu papel em uma sociedade de casamentos arranjados e o domínio social masculino.
O tema da imigração oriunda de nações em conflito ou atravessadas por condições sociais e econômicas adversas, seus perigos e desafios, também veio à tona.
Apesar de modesto em termos materiais, Atlantique pareceu realizar um trabalho muito mais lapidado e imensamente mais cuidadoso do que o alcançado em Amina. Provavelmente, as decisões da direção ao usar diversas locações externas e explorar uma perspectiva mais documental graças ao seu trabalho de câmeras (uso recorrente da câmera na mão em vez da captura estática, por exemplo) – marcas habituais em obras com orçamentos menores – contribuiu para alcançar bons resultados narrativos e propiciar um convincente clima para o comentário social.
Conforme observado ao longo do debate, se o filme de Diop peca em alguns aspectos ao omitir informações que poderiam ajudar no desenvolvimento do roteiro e na melhor resolução de alguns pontos importantes de sua construção. Por outro lado, levando-se em conta que se trata do primeiro longa-metragem de uma jovem cineasta, são inegáveis os diversos méritos que Atlantique apresenta. Não por acaso, o filme foi premiado em uma competição da grandeza e do prestígio do Festival de Cannes.